Avançar para o conteúdo principal

Treinar Desidratado [Guia Básio]

No que respeita ao tema da hidratação, as recomendações típicas vão no sentido de manter o atleta euhidratado em todos os momentos, desde antes do início dos treinos e provas, até durante e no final.(1)

Isto faz sentido uma vez que se verificou que uma percentagem significativa dos atletas inicia os treinos e provas hipohidratado,(2-7) e a literatura existente demonstra de forma clara que o rendimento físico se degrada de forma notória quando o exercício é iniciado com o atleta num estado de hipohidratação equivalente à perda de 2% da sua massa corporal, sobretudo em ambientes quentes.(8-15)

Embora isso vá contra as recomendações habituais de manter um estado de hidratação adequado em todas as circunstâncias,(7) é possível que a realização de treinos num estado hipohidratado possa melhorar a performance em situações em que a hipohidratação pode ocorrer.(16)

Treinar Desidratado - Qual a evidência?

Já em 2010 Merry et al. tinham sugerido que a exposição repetida à hipohidratação, num contexto de treinos de endurance, poderia atenuar os efeitos negativos que a hipohidratação exerce na performance.(17)

Mais tarde, em 2013, foi realizado um estudo acerca deste tema, para o qual foram recrutados 10 indivíduos do sexo masculino, que realizaram 5 sessões de treino euhidratados e posteriormente realizaram 5 sessões de treino hipohidratados. Cada sessão de treino envolveu uma corrida de 45 min de duração a 75% do VO2max, seguido por uma corrida de 5 km a contra-relógio.(18)

A hipohidratação prejudicou a performance na corrida de 5 km em 5,8% nos indivíduos que não estavam familiarizados com o protocolo de hipohidratação, mas a realização de quatro sessões de treino, concebidas para habituar os indivíduos ao protocolo de hipohidratação, atenuou a quebra da performance para apenas 1,2%, aparentemente através da diminuição da perceção de esforço.(18)

Os investigadores afirmaram:

Isto demonstra que a habituação a curto prazo (cinco sessões) ao exercício hipohidratado pode atenuar, mas não abolir a diminuição da performance no exercício causada pela hipohidratação.(18)

Conclusão

A implementação desta estratégia nutricional poderá ser vantajosa para atletas de vários desportos uma vez que se verificou que uma percentagem significativa destes iniciam os treinos ou provas hipohidratados.(2-7)

Por exemplo, um estudo verificou que cerca de 90% dos jogadores de futebol jovens (11-16 anos) se encontravam desidratados antes de iniciarem os treinos.(3)

Para além disso, verificou-se que a ingestão de fluídos ad libitum (à vontade) durante os treinos ou provas raramente é suficiente para repor os fluídos perdidos através do suor, prevenir a desidratação progressiva dos atletas(1) (3) e evitar que estes percam mais de 2%-3% do seu peso corporal.(19)

Relativamente aos atletas de topo, parece que, em muitas situações, estes tomam riscos calculados e ponderam os prós e contras da ingestão de fluídos.(2) O uso desta estratégia nutricional poderia oferecer vantagem competitiva a estes atletas, sobretudo durante provas prolongadas e em temperaturas elevadas.

➤ Mostrar/Ocultar Referências!
  1. Von Duvillard SP, Braun WA, Markofski M, Beneke R, Leithauser R. Fluids and hydration in prolonged endurance performance. Nutrition (Burbank, Los Angeles County, Calif). 2004; 20(7-8):651-6.
  2. Garth AK, Burke LM. What do athletes drink during competitive sporting activities? Sports medicine (Auckland, NZ). 2013; 43(7):539-64.
  3. Arnaoutis G, Kavouras SA, Kotsis YP, Tsekouras YE, Makrillos M, Bardis CN. Ad libitum fluid intake does not prevent dehydration in suboptimally hydrated young soccer players during a training session of a summer camp. International journal of sport nutrition and exercise metabolism. 2013; 23(3):245-51.
  4. Silva RP, Mundel T, Natali AJ, Bara Filho MG, Lima JR, Alfenas RC, et al. Fluid balance of elite Brazilian youth soccer players during consecutive days of training. Journal of sports sciences. 2011; 29(7):725-32.
  5. Phillips SM, Sykes D, Gibson N. Hydration Status and Fluid Balance of Elite European Youth Soccer Players during Consecutive Training Sessions. Journal of sports science & medicine. 2014; 13(4):817-22.
  6. Castro-Sepulveda M, Astudillo J, Letelier P, Zbinden-Foncea H. Prevalence of Dehydration Before Training Sessions, Friendly and Official Matches in Elite Female Soccer Players. Journal of human kinetics. 2016; 50:79-84.
  7. Maughan RJ, Shirreffs SM. Dehydration and rehydration in competative sport. Scandinavian journal of medicine & science in sports. 2010; 20 Suppl 3:40-7.
  8. Armstrong LE, Costill DL, Fink WJ. Influence of diuretic-induced dehydration on competitive running performance. Medicine and science in sports and exercise. 1985; 17(4):456-61.
  9. Walsh RM, Noakes TD, Hawley JA, Dennis SC. Impaired high-intensity cycling performance time at low levels of dehydration. International journal of sports medicine. 1994; 15(7):392-8.
  10. Below PR, Mora-Rodriguez R, Gonzalez-Alonso J, Coyle EF. Fluid and carbohydrate ingestion independently improve performance during 1 h of intense exercise. Medicine and science in sports and exercise. 1995; 27(2):200-10.
  11. McConell GK, Burge CM, Skinner SL, Hargreaves M. Influence of ingested fluid volume on physiological responses during prolonged exercise. Acta physiologica Scandinavica. 1997; 160(2):149-56.
  12. Cheuvront SN, Carter R, 3rd, Castellani JW, Sawka MN. Hypohydration impairs endurance exercise performance in temperate but not cold air. Journal of applied physiology (Bethesda, Md : 1985). 2005; 99(5):1972-6.
  13. Ebert TR, Martin DT, Bullock N, Mujika I, Quod MJ, Farthing LA, et al. Influence of hydration status on thermoregulation and cycling hill climbing. Medicine and science in sports and exercise. 2007; 39(2):323-9.
  14. Casa DJ, Stearns RL, Lopez RM, Ganio MS, McDermott BP, Walker Yeargin S, et al. Influence of hydration on physiological function and performance during trail running in the heat. Journal of athletic training. 2010; 45(2):147-56.
  15. Lopez RM, Casa DJ, Jensen KA, DeMartini JK, Pagnotta KD, Ruiz RC, et al. Examining the influence of hydration status on physiological responses and running speed during trail running in the heat with controlled exercise intensity. Journal of strength and conditioning research. 2011; 25(11):2944-54.
  16. Jeukendrup AE. Periodized Nutrition for Athletes. Sports medicine (Auckland, NZ). 2017; 47(Suppl 1):51-63.
  17. Merry TL, Ainslie PN, Cotter JD. Effects of aerobic fitness on hypohydration-induced physiological strain and exercise impairment. Acta physiologica (Oxford, England). 2010; 198(2):179-90.
  18. Fleming J, James LJ. Repeated familiarisation with hypohydration attenuates the performance decrement caused by hypohydration during treadmill running. Applied physiology, nutrition, and metabolism = Physiologie appliquee, nutrition et metabolisme. 2014; 39(2):124-9.
  19. Beis LY, Wright-Whyte M, Fudge B, Noakes T, Pitsiladis YP. Drinking behaviors of elite male runners during marathon competition. Clinical journal of sport medicine : official journal of the Canadian Academy of Sport Medicine. 2012; 22(3):254-61.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Os Suplementos Termogénicos Funcionam?

A obesidade encontra-se classificada como uma doença crónica cuja prevalência tem vindo a aumentar ao ponto de atualmente ser considerada uma pandemia. ¹ Atualmente, verifica-se que a maioria da população europeia (60%) encontra-se na categoria de pré-obesidade, ou obesidade. ¹ Em Portugal o cenário é relativamente similar, com 57,1% dos indivíduos a apresentar um índice de massa corporal ≥25 kg/m². ²   Logicamente, esta população numerosa representa um mercado apetecível para as empresas envolvidas na produção e/ou comercialização de suplementos alimentares, que ambicionem aumentar as suas vendas.  Do conjunto de suplementos direcionados para a perda de peso/gordura, destacam-se os termogénicos, os quais, supostamente, promovem um aumento da lipólise através de um aumento do metabolismo, induzido por determinados compostos presentes nesses suplementos.  Mas será que os suplementos termogénicos efetivamente facilitam a perda de peso ou de gordura em indivíduos pré-obesos ...

Quantidades Mais Elevadas de Proteína Afetam Negativamente a Saúde a Longo Prazo?

Afirma-se com alguma frequência que ingestão de quantidades relativamente mais elevadas de proteína tem um impacto negativo na saúde, sobretudo a médio-longo prazo.  Entre os putativos efeitos negativos temos, por exemplo, perturbações a nível renal, problemas cardiovasculares, maior probabilidade de problemas de saúde na velhice incluindo menor saúde metabólica, menor longevidade e outros.( 1 )  Mas será que uma maior ingestão de proteína realmente prejudica a saúde a longo prazo?  Kitada et al. (2024)  Recentemente, foi publicado um estudo que pretendeu avaliar os efeitos da ingestão de proteína a longo prazo, no envelhecimento de 3721 mulheres que participaram no famoso estudo prospetivo Nurses Health Study.  Mais precisamente, estes investigadores pretenderam testar a hipótese de que uma ingestão mais elevada de proteína se associa a uma maior probabilidade de envelhecimento saudável.  Neste caso, envelhecimento saudável correspondia a uma boa saúde me...

Os BCAAs São Úteis Para Praticantes de Musculação?

Pode-se afirmar que os aminoácidos representam os blocos de construção do músculo esquelético e de outras proteínas que integram o corpo humano.  De um total de 20 diferentes aminoácidos que podem formar as diversas proteínas presentes no corpo humano, 9 são considerados “aminoácidos essenciais” por não poderem ser sintetizadas nos tecidos corporais e têm obrigatoriamente de ser obtidas a partir da dieta.  No conjunto de 9 aminoácidos essenciais incluem-se os aminoácidos de cadeia ramificada. São eles a leucina, isoleucina e valina, e constituem cerca de 14% do total de aminoácidos que constituem as proteínas do músculo esquelético.  Os aminoácidos de cadeia ramificada, ou BCAAs, são dos suplementos mais consumidos (36,8%) pelos portugueses que frequentam os ginásios.  A sua popularidade baseia-se na crença, alimentada por campanhas de marketing financiadas por empresas de suplementos, de que os BCAAs têm propriedades anabólicas e anti-catabólicas. Kaspy et al. (2023...