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Quanta proteína é possível absorver por refeição?

Dentre a série de tópicos relativamente controversos englobados no mundo da nutrição temos a questão da quantidade de proteína que o corpo humano consegue absorver no seguimento de uma dada refeição.

Relacionado com a mesma temática, temos a questão da definição da quantidade de proteína que idealmente se deve ingerir após a execução de um treino resistido, com vista a maximizar a síntese de proteína muscular.

Estudos publicados até há poucos anos concluíram que a ingestão de 20 a 25 g de proteína de boa qualidade (whey, proteína do leite, ou proteína de ovo) após um treino de musculação direcionado à musculatura dos membros inferiores seria o suficiente para maximizar a síntese de proteína muscular em adultos jovens e saudáveis, sendo que em doses superiores os aminoácidos “excedentários” seriam simplesmente oxidados.1,2 

Entretanto, em 2016, os autores Macnaughton et al.3 verificaram que a suplementação com 40 g de proteína whey após uma sessão de treino de musculação de corpo inteiro, promove um maior aumento da síntese de proteína muscular comparativamente à ingestão de 20 g. Estes dados vieram sugerir que o tipo, volume de treino, ou número de grupos musculares trabalhados pode modular a quantidade de proteína necessária para maximizar a síntese de proteína muscular.

O Estudo

Mais recentemente, Trommelen et al. (2023)4 investigaram os efeitos da administração de diferentes quantidades de proteína do leite (20% whey, 80% caseína) na síntese de proteína muscular e numa série de outros parâmetros, ao longo de 12 horas após uma sessão de exercício. 

Para o seu estudo recrutaram 36 homens saudáveis, com idades compreendidas entre os 18 e os 40 anos. Estes foram considerados indivíduos “recreativamente” ativos, que realizavam 1-3 sessões de desportos ou exercício por semana.

De manhã cedo, após o jejum noturno, estes voluntários realizaram uma sessão de 60 min de treino de corpo inteiro, no decorrer do qual executaram 4 séries de 10 repetições dos exercícios prensa de pernas (leg press machine), cadeira extensora (leg extension), puxada dorsal (lat pulldown), e supino (chest press), repousando durante 2 min entre séries.

Após a sessão de treino, estes voluntários foram separados em três grupos:

  1. Ingeriu apenas 800 mL de água.
  2. Ingeriu 25 de proteína de leite dissolvida em 800 mL de água.
  3. Ingeriu 100 g de proteína de leite em 800 mL de água.

Após a conclusão do treino resistido, e posteriormente à ingestão da bebida, estes investigadores recolheram amostras de biopsias musculares do músculo vasto lateral após 0, 240, 480 e 720 min. 

Também colheram amostras de sangue aos 0, 30, 60, 120, 180, 240, 300, 360, 420, 480, 540, 600, 660, e 720 minutos após a ingestão da bebida.

Resultados

Ao contrário do registado em estudos prévios, nesta investigação não se registaram aumentos expressivos da oxidação de aminoácidos após a ingestão de uma dose elevada de proteína (100 g) comparativamente à ingestão de 25 g, nem um limite superior no respeitante à elevação da síntese de proteína muscular.

De acordo com os autores deste trabalho:

  • A ingestão de proteína tem um impacto negligenciável na oxidação de aminoácidos do corpo inteiro
  • A resposta anabólica à proteína não tem um limite superior. A síntese de proteína muscular mantém-se elevada durante a hiperaminoacidemia prolongada.

Tabela 1: Quantidade cumulativa de proteína ingerida que foi incorporada ao músculo esquelético.


Tabela 2: Contribuição das taxas endógenas e exógenas de aminoácidos na taxa de síntese proteica miofibrilar.

E escreveram:

Estes dados demonstram que o músculo esquelético tem uma capacidade muito maior de incorporar aminoácidos exógenos do que sugerido previamente.

Conclusão

No que respeita à investigação científica, será boa prática não extrapolar os resultados de um dado estudo para outras populações ou contextos. Nesse sentido, convém ter em conta algumas das características desta investigação de Trommelen et al. (2023):

  • Os voluntários que participaram no estudo eram “recreativamente ativos” e poderiam ser considerados principiantes de musculação. Vários trabalhos verificaram que os praticantes de musculação com mais meses e anos de experiência obtêm um aumento da SPM menos expressivo e de menor duração comparativamente a principiantes. Seria necessária a realização de estudos similares com voluntários mais experientes para conhecermos os efeitos em indivíduos com essas características.
  • Os indivíduos que participaram no estudo eram adultos saudáveis, com idades compreendidas entre os 18 e 40. Sabe-se que o aumento da síntese de proteína muscular em resposta à ingestão de proteína,5 e após a realização de uma sessão de treino resistido, é significativamente menos expressiva em indivíduos idosos.6
  • Neste estudo administrou-se proteína do leite, que consiste numa combinação de 80% de caseína e 20% de proteína whey. A este respeito, não se sabe se os resultados obtidos seriam similares caso tivessem aplicado apenas proteína whey, que é a proteína de absorção mais rápida, e tipicamente ingerida no pós-treino. Em comparação, a caseína é uma proteína de absorção lenta.

Os resultados deste estudo reforçam a noção de que, no respeitante à ingestão de proteína, a variável mais importante a ter em conta quando se pretende promover a hipertrofia muscular, será a quantidade total ingerida ao longo do dia.7 

Também será útil relembrar que os autores de uma meta-análise publicada em 2020 verificaram que a ingestão de uma quantidade de proteína superior a 1,6-2,2 g por kg de peso corporal não favorece ganhos adicionais de massa magra induzida pelo treino resistido.7

➤ Mostrar/Ocultar Referências!

  1. Moore DR, Robinson MJ, Fry JL, et al. Ingested protein dose response of muscle and albumin protein synthesis after resistance exercise in young men. Am J Clin Nutr. Jan 2009;89(1):161-8. doi:10.3945/ajcn.2008.26401
  2. Witard OC, Jackman SR, Breen L, Smith K, Selby A, Tipton KD. Myofibrillar muscle protein synthesis rates subsequent to a meal in response to increasing doses of whey protein at rest and after resistance exercise. Am J Clin Nutr. Jan 2014;99(1):86-95. doi:10.3945/ajcn.112.055517
  3. Macnaughton LS, Wardle SL, Witard OC, et al. The response of muscle protein synthesis following whole-body resistance exercise is greater following 40 g than 20 g of ingested whey protein. Physiol Rep. Aug 2016;4(15)doi:10.14814/phy2.12893
  4. Trommelen J, van Lieshout GAA, Nyakayiru J, et al. The anabolic response to protein ingestion during recovery from exercise has no upper limit in magnitude and duration in vivo in humans. Cell Rep Med. Dec 19 2023;4(12):101324. doi:10.1016/j.xcrm.2023.101324
  5. Wall BT, Gorissen SH, Pennings B, et al. Aging Is Accompanied by a Blunted Muscle Protein Synthetic Response to Protein Ingestion. PLoS One. 2015;10(11):e0140903. doi:10.1371/journal.pone.0140903
  6. Chaillou T, Montiel-Rojas D. Does the blunted stimulation of skeletal muscle protein synthesis by aging in response to mechanical load result from impaired ribosome biogenesis? Frontiers in aging. 2023;4:1171850. 
  7. Morton RW, Murphy KT, McKellar SR, et al. A systematic review, meta-analysis and meta-regression of the effect of protein supplementation on resistance training-induced gains in muscle mass and strength in healthy adults. British journal of sports medicine. 2018;52(6):376-384. 



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