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Suplementos - Entrevista a Sérgio Veloso

Quem é o Sérgio Veloso? Fale-nos um pouco de si e do seu percurso académico.

Começando pelo meu percurso académico, a minha formação de base é em Biologia Celular. A paixão pela área da Nutrição é numa abordagem mais metabólica e bioquímica, em que me especializei. Mais tarde fiz Mestrado em Biologia Humana e pós-graduação em Nutrição Clínica.

A razão pela qual decidi escolher este caminho está certamente ligado ao meu passado. Com 15 anos pesava 120 kg, tendo perdido mais de 50 kg num espaço de tempo relativamente curto. Como qualquer ex-obeso sabe, a luta para manter o peso equilibrado é constante e requer sacrifícios diários que acabamos por integrar nas nossas rotinas.

Sempre tive vocação para as ciências e senti necessidade de entender a fundo todos estes processos metabólicos relacionados com a gestão do peso, e mais ainda, com a optimização da composição corporal. Primeiro uma necessidade de me compreender, e depois compreender os outros. Na verdade sou cobaia de mim próprio. É uma temática que me fascina e apaixona, e sobre a qual sou hoje professor e consultor.

Mas a razão pela qual sou mais conhecido é provavelmente o meu blogue Fat New World, um espaço que criei no sentido de partilhar conhecimento e que tantas experiências positivas me tem proporcionado.

Até que ponto o stress pode influenciar os resultados no ginásio? Isto é, o stress pode inibir a hipertrofia muscular, aumentar a propensão a lesões, diminuir o rendimento, etc?

O stress, quando crónico, pode influenciar mais a performance e composição corporal do que as pessoas imaginam. As consequências neuroendócrinas desse stress atingem proporções que só hoje começamos a perceber.

Fomos “criados” com ótimas ferramentas para lidar com stress agudo, pontual, mas péssimos a superar a exposição contínua.

Nos ambientes extremos e hostis, que é no fundo a forma como o nosso organismo percepciona o stress crónico, a reprodução é secundária à sobrevivência, e daí ser um dos primeiros sistemas afectados.

Reduções nos níveis de testosterona nos homens e progesterona nas mulheres são dos primeiros sinais, e obviamente que isso se reflete na composição corporal.

O aumento do cortisol aliado ao atenuar do efeito protector que as hormonas sexuais exercem leva habitualmente à perda de massa muscular e deposição preferencial de gordura na zona abdominal, menor capacidade de gerar força, afectando a libertação de acetilcolina na placa motora, e menos foco/disposição para o treino.

É um assunto ao qual me tenho dedicado bastante nos últimos anos pois é um problema bem comum hoje em dia.

Quais são as principais variáveis de estilo de vida que os praticantes de musculação devem ter em conta e ajustar para obterem os melhores resultados, em menos tempo?

Em primeiro lugar colocaria o treino claro, pois por mais ajustadas que estejam as outras variáveis, o estímulo é essencial neste processo. Em muitos casos, a intensidade do treino está aquém do que seria ideal. Não as distingo em ordem de importância pois todas elas contribuem à sua maneira. A dieta, sono, descanso em geral, capacidade de gerir o stress do dia-a-dia.

Quanto à alimentação, para além da ingestão proteica e distribuição macronutricional, a estruturação e consistência são igualmente aspectos fulcrais. Um plano nutricional rígido, sem grande margem, é em muitos casos fundamental para atingir os resultados propostos.

Existe alguma variável, como por exemplo relativamente ao regime de treino, dieta, suplementação ou de estilo de vida que os praticantes de musculação geralmente negligenciem e que seja importante para se obter resultados?

Pondo de lado a variável treino, em particular a intensidade onde na maior parte dos casos reside realmente o problema, escolheria a variável consistência, ou mesmo foco.

Todos querem ser atletas e atingir aquela forma ideal, mas poucos estão dispostos aos sacrifícios necessários para tal. É preciso abdicar de muita coisa, e em muitos casos as prioridades não estão devidamente estabelecidas.

A famosa “janela de oportunidade” no período que se segue a um treino, existe mesmo? Existe alguma vantagem em ingerir imediatamente um batido de whey e/ou glicídeos imediatamente após um treino em comparação com uma refeição realizada mais tarde?

A resposta mas correcta a essa questão, embora seja certamente também a menos desejada pelos leitores, é depende. De facto a Janela de Oportunidade como vista tradicionalmente tem sido questionada nos últimos anos, e bem.

A maior parte dos estudos que mostram um efeito significativamente positivo com a ingestão do típico batido pós-treino são realizados no contexto de um jejum parcial prévio, o que não reflete o dia-a-dia da maior parte dos atletas.

O importante é inserir o treino numa janela de refeições de aproximadamente 3 horas no sentido de garantir a disponibilidade de nutrientes.

E em relação à ingestão de uma refeição “pré-treino”. É de alguma forma vantajosa?

Poderá ser claro. No treino de musculação, não tanto numa perspectiva de potenciar os mecanismos energéticos associados à contracção muscular. Mas isto não invalida um efeito ergogénico por menor percepção de fadiga central e, em consequência, melhor rendimento no treino.

Além disso, é importante manter a pool de nutrientes elevada na janela do treino no sentido de potenciar a recuperação e adaptação. No mesmo sentido, um intra-treino poderá ser também benéfica em determinados contextos e volumes de treino.

Existe alguma vantagem em repartir a ingestão de proteína de forma equitativa pelas várias refeições do dia, em comparação com refeições com quantidades desiguais?

Em indivíduos jovens sim, o fracionamento proteico (20-40 g) parece uma estratégia interessante para manter a pool de aminoácidos elevada e maximizar a síntese proteica em vários episódios ao longo do dia. No entanto, o mesmo não se aplica a indivíduos mais velhos e estados marcados por um catabolismo acentuado.

Apesar do fraccionamento facilitar mais momentos de estímulo à síntese proteica, doses superiores podem ter um efeito protector a nível do catabolismo. A resposta a esta questão depende muito do caso e objectivo, pelo que uma resposta mais directa poderá ser interpretada incorrectamente.

Haverá alguma vantagem em realizar 6-7 refeições por dia, em comparação com um número mais reduzido, como por exemplo 3 refeições?

Essa questão é bastante controversa no mundo do fitness, com vários “gurus” a por em causa as recomendações tradicionais de fraccionamento alimentar. E na verdade esse questionamento é fundamentando por incongruências na investigação científica.

Pela minha experiência e opinião, é interessante o fraccionamento alimentar no sentido de uma optimização do ambiente anabólico interno, mas não invalidando a possibilidade de obter bons resultados com menos refeições diárias.

Para perda de peso, a redução do número de refeições pode ser uma forma de redução da ingestão calórica que poderá funcionar a curto-médio prazo. Mas não algo que recomendasse de forma contínua.

Ingerir uma quantidade de proteína antes de deitar, como por exemplo caseína, pode realmente reduzir o catabolismo muscular nocturno e consequemente, promover um maior acúmulo de massa muscular ao longo do tempo?

Um estudo bem recente sugere que de facto a suplementação com caseína (hidrolisado + micelar) pode ser interessante numa perspectiva de ganho de massa muscular e força. Nesse sentido, diria que sim.

Mas como tenho dito, depende de cada caso em particular. Imaginemos uma pessoa que janta às 21:00, e se deita às 23:00. Se houver ingestão de uma fonte proteica de digestão gradual nesse refeição, não considero relevante uma dose adicional antes de deitar.

Considera que existem suplementos interessantes ou que realmente funcionem para os praticantes de musculação? Quais e porquê?

Claramente que existem suplementos interessantes e eficazes. A questão é que muitas vezes esperamos mais do que aquilo que nos podem realmente oferecer. Não se espera, ou não se deveria esperar, que o efeito de um suplemento alimentar seja de grande magnitude.

No entanto, quando falamos em alto rendimento, um pequeno efeito pode traduzir-se num grande resultado e na diferença entre o primeiro, e o primeiro dos últimos.

A creatina é de longe o suplemento que maior evidência nesse sentido, embora nem todos os praticantes respondam de forma positiva.

A whey também enquadraríamos neste grupo de suplementos com bom suporte científico, bem como algumas formas de hidratos de carbono.

Outros como o HMB, β-alanina, e potenciadores hormonais podem ser interessantes em determinados contextos desde que com expectativas realistas.

Alguma vez recomendaria suplementos para perda de gordura? Quais e em que contexto poderiam ser úteis?

Muito dificilmente recomendaria em condições normais um suplemento direcionado para a perda de peso, vulgo fat burner ou termogénico.

A L-Carnitina poderá ser um ergogénico interessante, mas não certamente para perda de gordura. Não considero que o alegado efeito a nível no aumento do dispêndio energético e lipólise seja significativo com os suplementos legais no mercado.

No entanto, a toma de um termogénico pode facilitar a adesão a um regime alimentar mais restrito, o que podemos considerar um “efeito secundário” placebo, mas facilitador da obtenção desses resultados.

As mulheres devem ingerir os suplementos de forma diferente dos homens? (Aqui refiro-me sobretudo às quantidades que devem tomar, por exemplo, de creatina, etc).

Sim claro. Para além das questões mais comuns relativas à gravidez e lactação, as mulheres têm condicionantes específicas que devem ser consideradas. Ciclo menstrual, influências hormonais e diferenças a nível da massa magra que condiciona a dose indicada.

As diferenças entre os sexos na resposta a vários suplementos tem sido repetidamente demonstrada.

Em termos de investigação atual, tem conhecimento de algo que seja ou que futuramente possa vir a ser interessante para aqueles que procuram ganhar massa muscular e/ou perder gordura?

A nível alimentar não creio que os próximos anos nos tragam grandes avanços nesta área, apenas melhores explicações para fenómenos já conhecidos.

Relativamente a suplementos é possível e provável que sim, mas ainda cedo para apontar algum como “a próxima creatina”. Não tenho grandes expectativas em relação a nenhum para ser sincero.

Antes de terminarmos a entrevista, gostaria de deixar alguma mensagem aos leitores?

Depois de uma entrevista tão longa, pouco mais tenho a dizer. O melhor conselho que posso dar é mesmo que se foquem no essencial e não se percam no acessório. As discussões são muitas vezes centradas no pormenor, quando as bases ainda não são sólidas o suficiente.

Não existe nenhum segredo ou fórmula mágica, algo que vou cada vez mais provando à medida que contacto com atletas de topo na área do Culturismo e Fitness. Mas acima de tudo que sejam realistas nos objectivos a que se propõem e monitorizem bem a vossa progressão. Bons treinos!

Obrigado pela disponibilidade! :)

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