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Suplementos de proteína vs alimentos proteicos – O que é melhor para hipertrofia?

A maioria dos culturistas da era dourada (anos 70) obtinham a sua proteína principalmente a partir de alimentos integrais, tais como o leite integral, leite em pó magro, queijo cottage, ovos inteiros, carne e peixe. Até porque nesse tempo ainda não existiam os suplementos de proteína “sofisticados” e de sabor agravável a que temos acesso atualmente.1,2

De facto, Vince Gironda, considerado um guru do culturismo nos anos 50 a 70, acreditava que o ovo inteiro era o alimento mais anabólico que existia e recomendava uma ingestão abundante dos mesmos para aqueles procuravam aumentar a sua massa muscular e melhorar a sua composição corporal.3

Ao longo dos anos, foram surgindo suplementos de proteína de sabor cada vez mais aceitável e nos dias de hoje temos ao dispor uma enorme variedade de suplementos proteicos de dissolução fácil, com sabor adocicado e agradável, incluindo proteína de soro de leite, caseína, de clara de ovo, de “carne”, de soja e de várias outras proteínas de origem vegetal.4

Atualmente o soro de leite (whey) é a proteína mais recomendada para ingestão no final dos treinos, mas isso pode dever-se sobretudo ao facto de ter sido a proteína mais estudada nos últimos anos no mundo da nutrição no desporto, sendo notória a quase ausência de trabalhos que tenham comparado o efeito da proteína whey com alimentos integrais ricos em proteína, na síntese de proteína muscular após a realização de exercício resistido.5

Benefícios dos alimentos integrais ricos em proteína

Para além de proteína de boa qualidade, os alimentos rico e integrais, de origem animal, também fornecem uma série de outros nutrientes benéficos, vários deles essenciais, contidos na sua matriz.5

Vários desses nutrientes poderão ter propriedades anabólicas.5 Por exemplo, a gordura da gema do ovo e do leite contêm vitaminas A, D, E, minerais como o zinco e selénico, bem como gorduras (palmitato e ómega 3) e vários trabalhos sugerem que vários micronutrientes, ácidos gordos e outros nutrientes, influenciam a síntese de proteína muscular através da ativação do mTOR.6-11

Também é possível que possa ocorrer um efeito interativo da matriz do alimento (ex: sinergia alimentar) entre diferentes constituintes dos alimentos, que poderá potenciar a resposta de síntese de proteína muscular após o exercício.5

Alimentos proteicos vs suplementos de proteína

Apesar da popularidade atual dos suplementos de proteína, sobretudo da proteína whey, vários investigadores têm vindo a referir que a ingestão de alimentos ricos em proteína pode proporcionar um estímulo anabólico idêntico ou até mesmo superior ao dos suplementos de proteína e apontam várias outras vantagens do ponto de vista nutricional.5

Embora a literatura acerca do tema ainda seja escassa, já foi demonstrado que a ingestão de leite, bife12-14 ovo15, também potenciam a resposta de síntese de proteína muscular após o exercício.

Elliot et al. demonstrou que a ingestão de leite integral, contendo 3,25% de gordura, proporciona uma maior absorção e maior síntese de aminoácidos pelo músculo esquelético, em comparação com a ingestão de leite magro (0,5% de gordura) durante o período de recuperação pós-exercício.16

Mais recentemente, Hamarsland et al. não detetaram diferenças em termos de ganhos de força e de massa muscular, entre a ingestão de proteína whey e a ingestão de leite magro em pó, no final dos treinos, após 12 semanas de treino. Isto apesar de vários autores considerarem que a proteína whey tem um potencial anabólico superior ao do leite, devido ao seu elevado teor de leucina e velocidade de digestão rápida.17

Num estudo realizado ainda no presente ano, após 8 semanas de ingestão de 46 g de proteína de soro de leite, de novilho ou de frango, no final dos treinos, Sharp e colegas (2018) não observaram diferenças estatisticamente significativas em termos de aumentos de força e de massa muscular entre estes três alimentos.18

Noutro estudo observou-se uma maior resposta de síntese de proteína muscular pós-exercício com o consumo de ovos inteiros em comparação com a ingestão de claras de ovo, apesar de ambos grupos terem ingerido a mesma quantidade de proteína e apesar da clara de ovo ter mostrado um aumento mais rápido da leucinemia/aminoacidemia,15 a qual tem sido considerada um determinante-chave na promoção da síntese de proteína muscular após o exercício.19 20 21

Tendo em conta que os suplementos de proteína à base de ovo usam a clara de ovo desidratada como ingrediente principal, poder-se-ia argumentar que o ovo inteiro é mais “anabólico” do que os suplementos de proteína de clara de ovo.

Conclusão

Os alimentos proteicos integrais são mais ricos do ponto de vista nutricional e este ponto pode ser especialmente relevante se considerarmos que uma elevada percentagem da população mundial não ingere a quantidade recomendada de várias vitaminas e minerais, mesmo nos países desenvolvidos.22 23

Para além disso estes alimentos contêm uma matriz complexa e uma combinação de diversos componentes que poderão modular a síntese de proteína muscular de forma positiva.5

Claramente, é necessária mais investigação nesta área para determinar se os alimentos integrais ricos em proteína são superiores aos suplementos de proteína, em termos de potenciação da síntese de proteína muscular, ou vice versa.5

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  1. Gironda V. How To Use And Prepare Protein For Muscle Size. 1976; http://ironguru.com/how-to-use-and-prepare-protein-for-muscle-size/.
  2. myprotein. Old School Bodybuilding vs Modern Diet. 2018; https://us.myprotein.com/thezone/nutrition/old-school-bodybuilding/. Accessed 10/12/2018.
  3. Anabolic Effect in Eggs. http://ironguru.com/anabolic-effect-in-eggs/. Accessed 09/1272018.
  4. Hoffman JR, Falvo MJ. Protein - Which is Best? Journal of sports science & medicine. 2004;3(3):118-130.
  5. Vliet Sv, Beals JW, Martinez IG, Skinner SK, Burd NA. Achieving Optimal Post-Exercise Muscle Protein Remodeling in Physically Active Adults through Whole Food Consumption. Nutrients. 2018;10(2):224.
  6. Marzani B, Balage M, Venien A, et al. Antioxidant supplementation restores defective leucine stimulation of protein synthesis in skeletal muscle from old rats. The Journal of nutrition. 2008;138(11):2205-2211.
  7. Narbonne JF, Daubeze M, Bonmort F. [Protein metabolism in vitamin A deficient rats. II. Protein synthesis in striated muscle]. Annales de la nutrition et de l'alimentation. 1978;32(1):59-75.
  8. Zhao Z, Barcus M, Kim J, Lum KL, Mills C, Lei XG. High Dietary Selenium Intake Alters Lipid Metabolism and Protein Synthesis in Liver and Muscle of Pigs. The Journal of nutrition. 2016;146(9):1625-1633.
  9. Halevy O, Lerman O. Retinoic acid induces adult muscle cell differentiation mediated by the retinoic acid receptor-alpha. Journal of cellular physiology. 1993;154(3):566-572.
  10. Salles J, Chanet A, Giraudet C, et al. 1,25(OH)2-vitamin D3 enhances the stimulating effect of leucine and insulin on protein synthesis rate through Akt/PKB and mTOR mediated pathways in murine C2C12 skeletal myotubes. Molecular nutrition & food research. 2013;57(12):2137-2146.
  11. Yasuda M, Tanaka Y, Kume S, et al. Fatty acids are novel nutrient factors to regulate mTORC1 lysosomal localization and apoptosis in podocytes. Biochimica et biophysica acta. 2014;1842(7):1097-1108.
  12. Burd NA, Gorissen SH, van Vliet S, Snijders T, van Loon LJ. Differences in postprandial protein handling after beef compared with milk ingestion during postexercise recovery: a randomized controlled trial. The American journal of clinical nutrition. 2015;102(4):828-836.
  13. Robinson MJ, Burd NA, Breen L, et al. Dose-dependent responses of myofibrillar protein synthesis with beef ingestion are enhanced with resistance exercise in middle-aged men. Applied physiology, nutrition, and metabolism = Physiologie appliquee, nutrition et metabolisme. 2013;38(2):120-125.
  14. Symons TB, Sheffield-Moore M, Mamerow MM, Wolfe RR, Paddon-Jones D. The anabolic response to resistance exercise and a protein-rich meal is not diminished by age. The journal of nutrition, health & aging. 2011;15(5):376-381.
  15. van Vliet S, Shy EL, Abou Sawan S, et al. Consumption of whole eggs promotes greater stimulation of postexercise muscle protein synthesis than consumption of isonitrogenous amounts of egg whites in young men. The American journal of clinical nutrition. 2017;106(6):1401-1412.
  16. Elliot TA, Cree MG, Sanford AP, Wolfe RR, Tipton KD. Milk ingestion stimulates net muscle protein synthesis following resistance exercise. Medicine and science in sports and exercise. 2006;38(4):667-674.
  17. Hamarsland H, Handegard V, Kashagen M, Benestad HB, Raastad T. No Difference Between Spray Dried Milk and Native Whey Supplementation with Strength Training. Medicine and science in sports and exercise. 2018.
  18. Sharp MH, Lowery RP, Shields KA, et al. The Effects of Beef, Chicken, or Whey Protein After Workout on Body Composition and Muscle Performance. Journal of strength and conditioning research. 2018;32(8):2233-2242.
  19. Boirie Y, Dangin M, Gachon P, Vasson MP, Maubois JL, Beaufrere B. Slow and fast dietary proteins differently modulate postprandial protein accretion. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America. 1997;94(26):14930-14935.
  20. Tang JE, Moore DR, Kujbida GW, Tarnopolsky MA, Phillips SM. Ingestion of whey hydrolysate, casein, or soy protein isolate: effects on mixed muscle protein synthesis at rest and following resistance exercise in young men. Journal of applied physiology (Bethesda, Md : 1985). 2009;107(3):987-992.
  21. Reitelseder S, Agergaard J, Doessing S, et al. Whey and casein labeled with L-[1-13C]leucine and muscle protein synthesis: effect of resistance exercise and protein ingestion. American journal of physiology Endocrinology and metabolism. 2011;300(1):E231-242.
  22. Bailey RL, West Jr KP, Black RE. The Epidemiology of Global Micronutrient Deficiencies. Annals of Nutrition and Metabolism. 2015;66(suppl 2)(Suppl. 2):22-33.
  23. Whatham A, Bartlett H, Eperjesi F, et al. Vitamin and mineral deficiencies in the developed world and their effect on the eye and vision. Ophthalmic & physiological optics : the journal of the British College of Ophthalmic Opticians (Optometrists). 2008;28(1):1-12.

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