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Qual é a Quantidade de Proteína Ideal para Maximizar a Força e a Massa Muscular?

Tipicamente, os praticantes de musculação almejam obter um físico que, para além de exibir uma percentagem de gordura corporal relativamente baixa, apresente uma musculatura visivelmente desenvolvida, frequentemente ao maior nível possível.

Para além destes, e sobretudo com vista a maximizar o seu rendimento, os atletas de desportos de força, assim como os praticantes de outras modalidades desportivas também se interessam particularmente por esta temática. 

Neste contexto, os nutricionistas que de algum modo trabalham com estes indivíduos, devem ser capazes de os aconselhar relativamente à quantidade de proteína ideal para maximizar os ganhos de força e de massa muscular, naqueles que executam treino resistido.

Será necessária uma dose de proteína superior à recomendada pela EFSA - Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (0,83 g/kg peso)¹ para maximizar os ganhos de força e a hipertrofia muscular em adultos jovens? 

Este tópico tem vindo a ser investigado de forma relativamente intensiva e até à data já foram publicadas pelo menos três revisões sistemáticas e meta-análises que tentaram esclarecer esta questão. 

Para efeitos de simplificação, neste artigo foquei-me nos homens jovens, uma vez que é sabido que os homens idosos apresentam uma menor resposta anabólica ao estímulo do treino resistido² e à ingestão de proteína³.

Mangano et al. (2017)

Em 2017, o investigador principal Mangano e co-autores⁴ procuraram determinar a existência de uma possível associação entre a quantidade de proteína ingerida e a massa muscular apendicular, força dos quadríceps e densidade mineral óssea.

Para esse efeito, recorreram a dados do Estudo Framingham – Terceira Geração, a qual incluiu dados de 2986 homens e mulheres, com idades compreendidas entre os 19 e 72 anos.

Estes investigadores separaram os voluntários em quartis, conforme a sua ingestão de proteína. As medianas das quantidades de proteína dentro de cada quartil de ingestão foram as seguintes:

  • 1º Quartil: 0,8 g/kg peso corporal
  • 2º Quartil: 1,1 g/kg peso corporal
  • 3º Quartil: 1,3 g/kg peso corporal
  • 4º Quartil: 1,8 g/kg peso corporal

Tal como é possível ver na tabela abaixo, e mesmo ajustando para potenciais variáveis confundidoras, comparativamente aos quartis mais elevados, os indivíduos que se encontravam no quartil mais baixo de ingestão de proteína (0,8 g/kg) apresentaram valores significantemente inferiores de massa muscular apendicular e de força nos músculos quadríceps.

Variáveis avaliadas

Quartil 1

Quartil 2

Quartil 3

Quartil 4

Massa Muscular Apendicular (kg)

21,2 (± 0,1)

21,6 (± 0,1)

21,7 (± 0,1)

21,7 (± 0,1)

Massa Muscular Apendicular (kg/m²)

7,2 (± 0,03)

7,3 (± 0,03)

7,3 (± 0,03)

7,3 (± 0,03)

Força dos quadríceps (kg)

25,9 (± 0,40)

27,1 (± 0,40)

27,2 (± 0,40)

27,4 (± 0,40)

Os autores deste trabalho concluíram:

Nesta coorte de homens e mulheres brancos não-hispânicos com idade entre os 19 e 72 anos, a ingestão total de proteínas está positivamente associada à massa muscular apendicular e à força dos quadríceps. 

Cermak et al. (2012)

Na sua revisão sistemática e meta-análise publicada em 2012, Cermak e colegas⁵ incluíram 22 estudos de intervenção que avaliaram os efeitos da suplementação com proteína ao longo de seis semanas de treino resistido. Os 680 voluntários que participaram nesses estudos tinham uma idade média de 33 anos (mínimo de 19 e máximo de 72).

A quantidade média de proteína adicional providenciada pelos investigadores aos voluntários com recurso a suplementos ou alimentos, em dias de treino, foi de 42 g, e variou entre um mínimo de 6 e um máximo de 106 g/dia.

Em termos de resultados, em comparação com um placebo, a condição de suplementação com proteína gerou maiores ganhos de massa magra (média de 0,69 kg) e permitiu levantar uma média de 13,5 kg adicionais para 1RM (1 repetição máxima) no exercício prensa de pernas (leg press).

Estes autores concluíram:

A suplementação com proteína aumenta a massa muscular e os ganhos de força durante o treino do tipo exercício resistido prolongado, em ambos voluntários jovens e idosos.

Morton et al. (2017)

Em 2017, Morton e colegas⁶ conduziram uma revisão sistemática, meta-análise e meta-regressão com o propósito de averiguar se a suplementação com proteína potencia ganhos de força e de massa muscular induzidos pelo treino de musculação.

Para esse efeito, o seu trabalho inclui 49 estudos randomizados controlados, que incluíram pelo menos 6 semanas de treino resistido e suplementação concomitante com proteína. Estes estudos incluíram um total de 1863 participantes, que tinham uma idade média de 35 anos.

No que respeita a resultados, a suplementação com proteína gerou mais 2,49 kg em termos de ganhos de força (1RM), e 0,30 kg adicionais de massa magra.

O mesmo trabalho descreve a existência de um patamar nos ganhos de ganhos induzidos pelo treino resistido no valor de 1,62 g de proteína/kg/dia (IC 95%: 1,03 a 2,20), acerca do qual os autores escreveram:

Uma vez que o intervalo de confiança desta estimativa variou de 1,03 a 2,20, poderá ser prudente recomendar ~2,2 g de proteína/kg/dia para aqueles que procuram maximizar os ganhos de massa magra induzidos pelo treino resistido.

E concluíram: 

Em adultos saudáveis, a suplementação com proteína dietética providencia aumentos significativos de força e de massa muscular durante o exercício resistido prolongado.

Uma ingestão de proteína acima de ~1.62 g/kg/dia não contribui para maiores ganhos de massa magra induzidos pelo treino resistido.

Tagawa et al. (2020)

Mais tarde Tagawa e co-autores⁷ conduziram uma meta-análise com o propósito de aferir a possível existência de uma relação dose-resposta entre a ingestão de proteína e o aumento da massa magra, e ainda de avaliar esta relação no contexto da presença ou ausência de treino resistido.

Estes investigadores incluíram 105 estudos controlados randomizados que avaliaram os efeitos da ingestão de proteína na massa magra, e que suplementaram adultos saudáveis (18-81 anos) com proteína durante pelo menos 2 semanas. 

53 desses estudos aplicaram um programa de treino resistido, enquanto 56 não incluíram este tipo de treino. No respeitante ao equilíbrio energético, 41 estudos aplicaram intervenções para perda de peso agressiva, 2 estudos para ganho de peso agressivo, e a maioria (62 estudos) não aplicou nenhum dos dois.

Em termos de resultados, neste trabalho verificou-se que uma ingestão de 0,1 g adicionais de proteína/kg/dia correspondeu a aumentos de:

  • 0,39 kg (95% IC: 0.36–0.41) de massa magra quando a ingestão proteica total era inferior a 1,3 g/kg/dia.
  • 0,12 kg (95% IC: 0.11–0.14) de massa magra quando a ingestão total de proteína era superior a 1,3 g/kg/dia.

Curiosamente, estes investigadores verificaram que a suplementação com proteína é significativamente eficiente em aumentar a massa magra, mesmo na ausência de treino resistido.

Na sua conclusão, estes autores escreveram:

Esta meta-análise revela que a ingestão de proteína total potencia o aumento da massa magra de modo dependente da dose ao longo de um grande intervalo de doses (0,3 a 3,5 g/kg peso).

O efeito da ingestão de proteína no aumento da massa magra relativamente à mudança de peso diminui rapidamente após se exceder a ingestão de 1,3 g/kg de peso/dia, e o treino resistido suprime de forma marcada este declínio.

Nunes et al. (2022)

Estes autores conduziram uma revisão sistemática, meta-análise e meta-regressão⁸ que incluiu 74 estudos randomizados, e nos quais participaram adultos saudáveis, não obesos, com mais de 18 anos. De notar que nenhum dos estudos incluídos aplicou protocolos para perda de peso.

A quantidade de proteína ingerida pelos voluntários dos estudos incluídos neste meta-análise variou entre um mínimo de 1,0 e até um máximo de 4,4 g/kg/dia.

Estes investigadores concluíram que a ingestão de uma quantidade de proteína acima das recomendações oficiais, mais precisamente ≥1.6 g/kg/dia, proporciona ganhos ligeiramente maiores de massa magra e de força nos membros inferiores em homens adultos envolvidos em treino resistido, sobretudo naqueles mais jovens.

Os efeitos de uma maior ingestão de proteína ao nível de aumento da força foram nulos no caso da força de preensão da mão, e triviais no caso do caso do exercício supino, e ao nível do desempenho em testes físicos.

Na sua conclusão, Nunes et al. escreveram:

Em adultos saudáveis envolvidos em treino resistido, o aumento da ingestão diária de proteína resulta em pequenos ganhos adicionais de massa magra e de ganhos de força na musculatura dos membros inferiores.

Conclusão

Na sua globalidade, os estudos incluídos neste artigo parecem sugerir que a ingestão de cerca de 0,8 g de proteína por kg de peso, valor recomendado pela EFSA e outras autoridades de saúde, não será suficiente quando se pretende apresentar a maior quantidade de massa magra possível, mesmo na ausência de treino resistido.

Na verdade, uma dose 1,6 g de proteína por kg de peso corporal poderá representar o valor mínimo ideal a ingerir por aqueles que pretendem maximizar os ganhos de massa muscular e de força para aqueles que incluem treinos de musculação na sua rotina semanal.

É possível que o valor mínimo recomendado para alguns indivíduos possa ser mais elevado e atingir os 2,2 g/kg/dia, tal como reportado por Morton et al. (2017)⁶.

De notar que este artigo não pretende elaborar acerca dos potenciais efeitos negativos de uma ingestão de proteína elevada ou acima dos valores recomendados. Esse é um tema relativamente controverso, que ainda hoje é objeto de investigação. 

Se sofre de alguma condição de saúde ou tem dúvidas relativamente à quantidade de proteína mais adequada para si, aconselha-se a consulta a um profissional de saúde qualificado.

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1. Authority EFS. Dietary reference values for nutrients summary report. 2017. 2397-8325. 

2. Chaillou T, Montiel-Rojas D. Does the blunted stimulation of skeletal muscle protein synthesis by aging in response to mechanical load result from impaired ribosome biogenesis? Frontiers in aging. 2023;4:1171850. 

3. Wall BT, Gorissen SH, Pennings B, et al. Aging Is Accompanied by a Blunted Muscle Protein Synthetic Response to Protein Ingestion. PLoS One. 2015;10(11):e0140903. doi:10.1371/journal.pone.0140903

4. Mangano KM, Sahni S, Kiel DP, Tucker KL, Dufour AB, Hannan MT. Dietary protein is associated with musculoskeletal health independently of dietary pattern: the Framingham Third Generation Study1,2. The American Journal of Clinical Nutrition. 2017/03/01/ 2017;105(3):714-722. doi:https://doi.org/10.3945/ajcn.116.136762

5. Cermak NM, Res PT, de Groot LC, Saris WH, van Loon LJ. Protein supplementation augments the adaptive response of skeletal muscle to resistance-type exercise training: a meta-analysis. Am J Clin Nutr. Dec 2012;96(6):1454-64. doi:10.3945/ajcn.112.037556

6. Morton RW, Murphy KT, McKellar SR, et al. A systematic review, meta-analysis and meta-regression of the effect of protein supplementation on resistance training-induced gains in muscle mass and strength in healthy adults. Br J Sports Med. Mar 2018;52(6):376-384. doi:10.1136/bjsports-2017-097608

7. Tagawa R, Watanabe D, Ito K, et al. Dose-response relationship between protein intake and muscle mass increase: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Nutr Rev. Nov 4 2020;79(1):66-75. doi:10.1093/nutrit/nuaa104

8. Nunes EA, Colenso-Semple L, McKellar SR, et al. Systematic review and meta-analysis of protein intake to support muscle mass and function in healthy adults. Journal of Cachexia, Sarcopenia and Muscle. 2022/04/01 2022;13(2):795-810. doi:https://doi.org/10.1002/jcsm.12922


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