Avançar para o conteúdo principal

Ovo inteiro ou clara – Qual é mais anabólico?

A maioria dos praticantes de musculação compreendem que é necessário ingerir quantidades adequadas de proteína para promover a recuperação dos treinos e potenciar a hipertrofia muscular.(1)

Por esse motivo, são muitos os que enriquecem as suas dietas com suplementos de proteína ou que optam por alimentos ricos em proteína e pobres em gordura, tal como as claras de ovo, sendo que vários optam por descartar a gema do ovo ou adquirir claras de ovo líquidas, em pacote.

Ovo inteiro ou clara de ovo?

Entretanto, há quem defenda que o ovo deve ser ingerido inteiro e que outros alimentos ricos em proteína, tais como o leite, carne e peixe, devem ser ingeridos inteiros, por conterem uma variedade de outros nutrientes e outros compostos bioativos, que podem contribuir para um anabolismo mais expressivo.(2)

Este também é tema que interessou investigadores que em 2017 realizar um estudo e colocar esta questão à prova.(3)

Nesse estudo, os investigadores colocaram jovens a realizar treino de força, após o qual administraram a um grupo uma quantidade de ovo inteiro suficiente para fornecer 18 g de proteína e outro grupo ingeriu uma quantidade de clara de ovo que também continha 18 g de proteína.

Após terem efetuado várias análises, em vários pontos de tempo, constataram que o grupo que ingeriu ovo inteiro no final do treino obteve um maior estímulo da síntese de proteína miofibrilar.

Referem ainda que o perfil de aminoácidos, incluindo o teor de leucina, do ovo inteiro e da clara de ovo é praticamente idêntico,(4, 5) por isso, é pouco provável que a resposta anabólica mais expressiva com o ovo inteiro se tenha devido a diferenças em termos de composição de aminoácidos.(3)

Os investigadores afirmam que a gema do ovo contém vários outros componentes que podem ter propriedades anabólicas, tais como microRNAs, vitaminas, minerais e lípidos (ácido fosfatídico, ácido palmítico e DHA).(3)

E concluíram que:

A ingestão de ovos inteiros imediatamente após treino de força resulta numa maior estimulação da proteína miofibrilar comparativamente à ingestão de claras de ovo, apesar dos voluntários terem ingerido a mesma quantidade de proteína.(3)

Apesar disso, consideramos que poderá ser mais interessante ingerir a clara de ovo e evitar a gema quando se pretende aumentar a ingestão de proteína, reduzir a ingestão de gordura e a ingestão energética, por exemplo, no contexto de uma dieta hipocalórica.(4, 5)

E o colesterol?

Embora o tema do colesterol continue a ser controverso, os autores deste estudo sugerem que não existe evidência de que a redução da ingestão de colesterol a partir da dieta beneficie a saúde(3), uma afirmação que é suportada por vários estudos.(6-11)

Sabe-se também que cerca de 30% da população sofre aumentos significativos do colesterol sanguíneo em consequência da ingestão de colesterol a partir da dieta.(12)

Esses indivíduos geralmente mostram um aumento dos níveis de LDL, mas também um aumento dos níveis de HDL,(13) o que sugere que, para indivíduos saudáveis, os benefícios nutricionais obtidos com o consumo de ovo superam o colesterol que este também contém.(14)

Para além disso, o ovo tem propriedades anti-inflamatórias(15) e contêm níveis elevados de antioxidantes como a vitamina E, carotenoides, selénio, luteína e zeaxantina, que poderão reduzir a oxidação do LDL.(16, 17)

A curto prazo, a ingestão de 2-3 ovos por dia não parece aumentar o risco de vários indicadores de doença cardiovascular, nem alterar de forma negativa o rácio de colesterol LDL/HDL.(18-20)

Apesar disso, verificou-se que, em diabéticos do tipo 2, a ingestão de ovo está associada a um maior risco de doença cardiovascular.(21, 22) e vários estudos de longa duração sugerem que a ingestão de uma quantidade elevada de ovos pode implicar riscos para a saúde, estando associada a um aumento do risco de insuficiência cardíaca, de mortalidade, de diabetes tipo 2 e de vários tipos de cancro.(23-28)

Por isso, aconselhamos uma ingestão moderada de ovos e, embora escasseiem recomendações específicas por parte das autoridades, numa publicação datada de 2009, a Australian National Heart Foundation recomendou uma ingestão máxima de seis ovos por semana, tanto para indivíduos saudáveis como para diabéticos tipo 2.(29)

Ovo crú ou cozido?

Devemos ingerir os ovos sempre bem cozinhados porque o sistema digestivo do ser humano apenas consegue absorver cerca de 51% da proteína presente no ovo crú, enquanto esse valor sobe para os 91% quando se ingere ovo devidamente cozinhado.(30)

Para além disso, o ovo cozinhado também é mais seguro em termos de qualidade microbiológica,(31) até porque a presença de salmonela no ovo continua a ser uma realidade,(32) estando registados casos de culturistas que sofreram de salmonelose causada pela ingestão de ovos crús.(33)

➤ Mostrar/Ocultar Referências!
  1. Jäger R, Kerksick CM, Campbell BI, Cribb PJ, Wells SD, Skwiat TM, et al. International Society of Sports Nutrition Position Stand: protein and exercise. Journal of the International Society of Sports Nutrition. 2017; 14(1):20.
  2. Vliet SV, Beals JW, Martinez IG, Skinner SK, Burd NA. Achieving Optimal Post-Exercise Muscle Protein Remodeling in Physically Active Adults through Whole Food Consumption. Nutrients. 2018; 10(2)
  3. van Vliet S, Shy EL, Abou Sawan S, Beals JW, West DW, Skinner SK, et al. Consumption of whole eggs promotes greater stimulation of postexercise muscle protein synthesis than consumption of isonitrogenous amounts of egg whites in young men. The American journal of clinical nutrition. 2017; 106(6):1401-12.
  4. Nutrient Data Laboratory USDA National Nutrient Database for Standard Reference. - Basic Report: 01123, Egg, whole, raw, fresh.  Beltsville, MD, USA: US Department of Agriculture, Agricultural Research Service, Nutrient Data Laboratory;  2016. [citado em: 22/08/2018]. Disponível em: https://ndb.nal.usda.gov/ndb/foods/show/01123?fgcd=&manu=&format=&count=&max=25&offset=&sort=default&order=asc&qlookup=egg&ds=&qt=&qp=&qa=&qn=&q=&ing=.
  5. Nutrient Data Laboratory USDA National Nutrient Database for Standard Reference. - Basic Report: 01124, Egg, white, raw, fresh.  Beltsville, MD, USA: US Department of Agriculture, Agricultural Research Service, Nutrient Data Laboratory;  2016. [citado em: 22/08/2018]. Disponível em: https://ndb.nal.usda.gov/ndb/foods/show/01124?fgcd=&manu=&format=&count=&max=25&offset=&sort=default&order=asc&qlookup=egg+white&ds=&qt=&qp=&qa=&qn=&q=&ing=.
  6. Kanter MM, Kris-Etherton PM, Fernandez ML, Vickers KC, Katz DL. Exploring the factors that affect blood cholesterol and heart disease risk: is dietary cholesterol as bad for you as history leads us to believe? Advances in nutrition (Bethesda, Md). 2012; 3(5):711-7.
  7. Griffin BA. Eggs: good or bad? The Proceedings of the Nutrition Society. 2016; 75(3):259-64.
  8. Richard C, Cristall L, Fleming E, Lewis ED, Ricupero M, Jacobs RL, et al. Impact of Egg Consumption on Cardiovascular Risk Factors in Individuals with Type 2 Diabetes and at Risk for Developing Diabetes: A Systematic Review of Randomized Nutritional Intervention Studies. Canadian journal of diabetes. 2017; 41(4):453-63.
  9. Fuller NR, Sainsbury A, Caterson ID, Denyer G, Fong M, Gerofi J, et al. Effect of a high-egg diet on cardiometabolic risk factors in people with type 2 diabetes: the Diabetes and Egg (DIABEGG) Study-randomized weight-loss and follow-up phase. The American journal of clinical nutrition. 2018; 107(6):921-31.
  10. Diez-Espino J, Basterra-Gortari FJ, Salas-Salvado J, Buil-Cosiales P, Corella D, Schroder H, et al. Egg consumption and cardiovascular disease according to diabetic status: The PREDIMED study. Clinical nutrition (Edinburgh, Scotland). 2017; 36(4):1015-21.
  11. Soliman GA. Dietary Cholesterol and the Lack of Evidence in Cardiovascular Disease. Nutrients. 2018; 10(6):780.
  12. Weggemans RM, Zock PL, Katan MB. Dietary cholesterol from eggs increases the ratio of total cholesterol to high-density lipoprotein cholesterol in humans: a meta-analysis. The American journal of clinical nutrition. 2001; 73(5):885-91.
  13. Herron KL, Fernandez ML. Are the current dietary guidelines regarding egg consumption appropriate? The Journal of nutrition. 2004; 134(1):187-90.
  14. Miranda JM, Anton X, Redondo-Valbuena C, Roca-Saavedra P, Rodriguez JA, Lamas A, et al. Egg and Egg-Derived Foods: Effects on Human Health and Use as Functional Foods. Nutrients. 2015; 7(1):706-29.
  15. Andersen CJ. Bioactive Egg Components and Inflammation. Nutrients. 2015; 7(9):7889-913.
  16. Ribaya-Mercado JD, Blumberg JB. Lutein and zeaxanthin and their potential roles in disease prevention. Journal of the American College of Nutrition. 2004; 23(6 Suppl):567s-87s.
  17. Nimalaratne C, Wu J. Hen Egg as an Antioxidant Food Commodity: A Review. Nutrients. 2015; 7(10):8274-93.
  18. Missimer A, DiMarco DM, Andersen CJ, Murillo AG, Vergara-Jimenez M, Fernandez ML. Consuming Two Eggs per Day, as Compared to an Oatmeal Breakfast, Decreases Plasma Ghrelin while Maintaining the LDL/HDL Ratio. Nutrients. 2017; 9(2)
  19. DiMarco DM, Missimer A, Murillo AG, Lemos BS, Malysheva OV, Caudill MA, et al. Intake of up to 3 Eggs/Day Increases HDL Cholesterol and Plasma Choline While Plasma Trimethylamine-N-oxide is Unchanged in a Healthy Population. Lipids. 2017; 52(3):255-63.
  20. Lemos BS, Medina-Vera I, Blesso CN, Fernandez ML. Intake of 3 Eggs per Day When Compared to a Choline Bitartrate Supplement, Downregulates Cholesterol Synthesis without Changing the LDL/HDL Ratio. Nutrients. 2018; 10(2):258.
  21. Jang J, Shin M-J, Kim OY, Park K. Longitudinal association between egg consumption and the risk of cardiovascular disease: interaction with type 2 diabetes mellitus. Nutrition & Diabetes. 2018; 8:20.
  22. Houston DK, Ding J, Lee JS, Garcia M, Kanaya AM, Tylavsky FA, et al. Dietary fat and cholesterol and risk of cardiovascular disease in older adults: the Health ABC Study. Nutrition, metabolism, and cardiovascular diseases : NMCD. 2011; 21(6):430-7.
  23. Aune D, De Stefani E, Ronco AL, Boffetta P, Deneo-Pellegrini H, Acosta G, et al. Egg consumption and the risk of cancer: a multisite case-control study in Uruguay. Asian Pacific journal of cancer prevention : APJCP. 2009; 10(5):869-76.
  24. Keum N, Lee DH, Marchand N, Oh H, Liu H, Aune D, et al. Egg intake and cancers of the breast, ovary and prostate: a dose-response meta-analysis of prospective observational studies. The British journal of nutrition. 2015; 114(7):1099-107.
  25. Zeng ST, Guo L, Liu SK, Wang DH, Xi J, Huang P, et al. Egg consumption is associated with increased risk of ovarian cancer: Evidence from a meta-analysis of observational studies. Clinical nutrition (Edinburgh, Scotland). 2015; 34(4):635-41.
  26. Djousse L, Khawaja OA, Gaziano JM. Egg consumption and risk of type 2 diabetes: a meta-analysis of prospective studies. The American journal of clinical nutrition. 2016; 103(2):474-80.
  27. Khawaja O, Singh H, Luni F, Kabour A, Ali SS, Taleb M, et al. Egg Consumption and Incidence of Heart Failure: A Meta-Analysis of Prospective Cohort Studies. Frontiers in Nutrition. 2017; 4:10.
  28. Schwingshackl L, Schwedhelm C, Hoffmann G, Lampousi AM, Knuppel S, Iqbal K, et al. Food groups and risk of all-cause mortality: a systematic review and meta-analysis of prospective studies. The American journal of clinical nutrition. 2017; 105(6):1462-73.
  29. Position statement: dietary fats and dietary cholesterol for cardiovascular health. Australia: National Heart Foundation of Australia;  2009. [citado em: 22/08/2018]. Disponível em: https://www.heartfoundation.org.au/images/uploads/publications/Dietary-fats-position-statement.pdf.
  30. Evenepoel P, Geypens B, Luypaerts A, Hiele M, Ghoos Y, Rutgeerts P. Digestibility of cooked and raw egg protein in humans as assessed by stable isotope techniques. The Journal of nutrition. 1998; 128(10):1716-22.
  31. Doorduyn Y, Van Den Brandhof WE, Van Duynhoven YT, Wannet WJ, Van Pelt W. Risk factors for Salmonella Enteritidis and Typhimurium (DT104 and non-DT104) infections in The Netherlands: predominant roles for raw eggs in Enteritidis and sandboxes in Typhimurium infections. Epidemiology and infection. 2006; 134(3):617-26.
  32. Amo K. [Salmonella]. Nihon rinsho Japanese journal of clinical medicine. 2012; 70(8):1348-51.
  33. Mackenzie AR, Laing RB, Cadwgan AM, Reid TM, Smith CC. Raw egg ingestion and salmonellosis in body builders. Scottish medical journal. 1998; 43(5):146-7.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Quanta proteína é possível absorver por refeição?

Dentre a série de tópicos relativamente controversos englobados no mundo da nutrição temos a questão da quantidade de proteína que o corpo humano consegue absorver no seguimento de uma dada refeição. Relacionado com a mesma temática, temos a questão da definição da quantidade de proteína que idealmente se deve ingerir após a execução de um treino resistido, com vista a maximizar a síntese de proteína muscular. Estudos publicados até há poucos anos concluíram que a ingestão de 20 a 25 g de proteína de boa qualidade (whey, proteína do leite, ou proteína de ovo) após um treino de musculação direcionado à musculatura dos membros inferiores seria o suficiente para maximizar a síntese de proteína muscular em adultos jovens e saudáveis, sendo que em doses superiores os aminoácidos “excedentários” seriam simplesmente oxidados. 1,2   Entretanto, em 2016, os autores Macnaughton et al. 3 verificaram que a suplementação com 40 g de proteína whey após uma sessão de treino de musculação de corpo i

Os Suplementos Termogénicos Funcionam?

A obesidade encontra-se classificada como uma doença crónica cuja prevalência tem vindo a aumentar ao ponto de atualmente ser considerada uma pandemia. ¹ Atualmente, verifica-se que a maioria da população europeia (60%) encontra-se na categoria de pré-obesidade, ou obesidade. ¹ Em Portugal o cenário é relativamente similar, com 57,1% dos indivíduos a apresentar um índice de massa corporal ≥25 kg/m². ²   Logicamente, esta população numerosa representa um mercado apetecível para as empresas envolvidas na produção e/ou comercialização de suplementos alimentares, que ambicionem aumentar as suas vendas.  Do conjunto de suplementos direcionados para a perda de peso/gordura, destacam-se os termogénicos, os quais, supostamente, promovem um aumento da lipólise através de um aumento do metabolismo, induzido por determinados compostos presentes nesses suplementos.  Mas será que os suplementos termogénicos efetivamente facilitam a perda de peso ou de gordura em indivíduos pré-obesos ou obesos?  Cl

É Melhor Perder Peso de Forma Rápida ou Lenta?

A perda de gordura pode proporcionar vários benefícios para a saúde daqueles que têm excesso de peso. ¹⁻² e é uma necessidade imperativa para atletas de determinados desportos e para aqueles que participam em competições de culturismo e similares.³ No entanto, independentemente do ritmo a que se perde peso, há uma série de consequências negativas que são praticamente impossíveis de evitar. Esses efeitos indesejáveis incluem a diminuição da taxa metabólica basal em repouso,⁴ dos níveis de testosterona,⁵ perda de massa magra,⁶ e diminuição da força muscular.⁷⁻⁸ De forma a minimizar esses efeitos negativos, são muitos aqueles que evitam as dietas mais drásticas, do tipo yo-yo e que, em vez disso, aconselham uma perda de peso lenta, por exemplo, de 0,5 kg de peso corporal, por semana.³ O que diz a ciência? Já foram conduzidos variados estudos que procuraram determinar qual a velocidade de perda de peso que melhor preserva a taxa metabólica, a massa magra, bem como os níveis de testosterona