O uso de suplementos dietéticos e de remédios à base de ervas encontra-se bastante divulgado e é prática comum em praticamente todos os países do mundo.
As pessoas ingerem-nos pelos mais variados motivos, incluindo para o tratamento de problemas de saúde, redução da sensação de fadiga física e mental, melhoria do rendimento desportivo e também com objetivos estéticos, tais como melhorar a pele, o cabelo, perder gordura e aumentar a massa muscular.
Apesar do seu uso se encontrar bastante vulgarizado, a verdade é que, neste momento o mercado dos suplementos é uma espécie de zona cinzenta, onde o controlo por partes das autoridades é manifestamente insuficiente.
Os suplementos e o doping
Uma das principais preocupações das pessoas que pensam iniciar a toma de suplementos, sobretudo suplementos dirigidos para os praticantes de musculação, é a possibilidade destes estarem contaminados com substâncias proibidas (doping) ou que possam prejudicar a saúde.
A verdade é que essas preocupações são perfeitamente legítimas, uma vez que já se verificou, ao longo das últimas décadas, que a contaminação de suplementos nutricionais com substâncias classificadas como doping é uma realidade.
Como exemplo, um estudo internacional realizado entre 2001 e 2002 analisou 643 suplementos nutricionais que foram adquiridos em 13 países diferentes e verificou-se que cerca de 15% desses suplementos, que supostamente não deveriam conter hormonas nem pré-hormonas, estavam contaminados com esteroides anabolizantes, sobretudo pró-hormonais.
Desde a publicação desse estudo foram encontrados outros casos de suplementos nutricionais que continham, de forma intencional, quantidades expressivas de anabolizantes como oxandronola, metandienona, stanozolol, boldenona e dihidroclorometil-testosterona.
Outra investigação, realizada em 2005, verificou a existência de suplementos de vitamina C, magnésio e multivitamínicos que estavam contaminados com metandienona e stanozolol.
Também já se verificou a contaminação de um suplemento para perda de peso com clenbuterol, um fármaco controlado, para asmáticos, que apenas se encontra à venda em alguns países (1, 2).
Noutro estudo, realizado na Coreia do Sul entre 2010 e 2013, verificou-se que cerca de 30% dos suplementos recolhidos, específicos para o tratamento da artrite e dores articulares, encontravam-se adulterados e continham substâncias como dexametasona, cotrisone-21-aceteato, prednisona-21-acetato, e betametasona (3).
Num estudo mais recente, realizado em 2014, também foram encontrados casos graves de adulteração em suplementos alimentares específicos para a perda de peso (4).
É por este razão que os atletas de alta competição, tais como os atletas olímpicos e jogadores de futebol, que estão sujeitos a controlo anti-doping, evitam a todo o custo a ingestão de suplementos, pois isso poderá custar-lhes a carreira ou no mínimo, fortes suspeitas de práticas de doping.
Suplementos adulterados/falsificados
Já vimos que os suplementos podem conter substâncias proibidas que podem fazer com que um atleta de competição acuse doping, mas também pode acontecer que os suplementos nem sequer tenham os ingredientes que indicam no rótulo, pelo menos não nas quantidades indicadas (5).
Nos EUA, entre 2004 e 2012, a FDA ordenou a retirada do mercado de 237 suplementos que continham fármacos que não estavam incluídos na lista de ingredientes. Tratou-se sobretudo de suplementos que estavam adulterados com fármacos para melhorar o desempenho sexual, para hipertrofia muscular e perda de peso (6).
Mais tarde, verificou-se que 22,2% dos suplementos previamente testados estavam adulterados com outros que não haviam sido detetados em análises anteriores (6).
Uma investigação realizada na América do Norte, verificou que uma percentagem significativa dos suplementos à base de ervas que se encontram à venda estão contaminados ou foram adulterados com ervas de outras espécies e produtos de enchimento que não se encontram descritos na rotulagem. Apenas 48% continham precisamente as quantidades precisas e os ingredientes descritos no rótulo (7).
Por incrível que isso possa parecer, este é um problema que também afeta as marcas de chá vendidas nos EUA e provavelmente em outros países também (8).
Mais recentemente, numa investigação realizada pela FDA em estabelecimentos que se dedicam em grande parte à venda de suplementos Walmart, Walgreens, GNC e Target, descobriu que 4 em cada 5 dos suplementos de ervas não continham nenhuma das ervas/plantas descritas no rótulo.
As análises revelaram que, na maioria dos casos esses suplementos contêm pouco mais do que produtos de enchimento baratos tais como arroz em pó, incluíndo substâncias potencialmente alergénicas (9).
O cenário em Portugal também não é muito animador. Recentemente, a Infarmed, em parceria com a ASAE, recolheu amostras de 98 suplementos diferentes, específicos para perda de peso e melhoria do desempenho social e verificou que 27 deles continham substâncias proibidas em suplementos (10).
A adulteração/falsificação de suplementos alimentares também já foi notícia em Espanha, na qual uma loja online de suplementos muito conhecida foi alvo de buscas por partes das autoridades e ficou confirmada que esta procedia à adulteração de suplementos alimentares bem como à venda de fármacos proibidos (11, 12).
No que diz respeito ao mercado brasileiro, a ANVISA também já realizou várias análises a suplementos alimentares que revelam que a maioria dos suplementos não contém as quantidades de determinados nutrientes que estão descritas nos rótulos.
Isto foi especialmente evidente em relação aos suplementos de proteína whey, sendo que a ANVISA chegou mesmo a proibir a venda de 20 marcas de proteína whey (13).
Para além disso, no Brasil também são frequentes as notícias que relatam apreensões de suplementos alimentares falsificados, na maioria das vezes específicos para a prática de musculação e/ou perda de gordura (14).
É por esta e por outras razões que, em vez de adquirirem suplementos de proteína whey, muitos culturistas, especialmente os brasileiros, preferem adquirir claras de ovo em pó (albumina), ou claras em pacote (líquidas), para aumentarem a sua ingestão diária de proteína.
Os suplementos à base de ervas são seguros?
Provavelmente não, até porque o controlo desse tipo de suplementos por parte das autoridades é manifestamente insuficiente e os casos de pessoas que tiveram problemas com a ingestão desse tipo de suplementos não são assim tão raros como gostaríamos de pensar (15, 16).
A literatura científica indica que os suplementos e preparações à base de ervas muitas vezes contêm quantidades excessivas de pesticidas ou tipos de pesticidas que foram proibidos, metais pesados, toxinas químicas, bactérias prejudiciais e ainda outros químicos indesejados (17, 18).
Verificou-se, por exemplo, que a ingestão de certos tipos de suplementos de ervas foi associada a vários casos de ataques epilépticos, mesmo em indivíduos que não sofriam de epilepsia ou que a tinham conseguido controlar com medicação (19).
Os autores de um estudo publicado em 2008 afirmaram que muitas ervas aumentam o risco de crises epilépticas, seja através de propriedades pró-convulsionantes intrínsecas ou devido à contaminação com metais pesados. Podem ainda atuar através de interações complexas com as drogas antiepilépticas, alterando ou inibindo o seu modo de atuação (20).
Verificou-se ainda que a ingestão de alguns tipos de suplementos alimentares e de ervas podem provocar problemas oculares, que na maioria das vezes se resolvem após a cessação da ingestão desses mesmos suplementos (21).
Para além disso, os suplementos de ervas podem provocar intoxicação por metais pesados e este problema parece com maior frequência nos suplementos ou remédios à base de ervas da medicina étnica índia (ayurveda). Para ser mais preciso, já foram registados casos de intoxicação severa devido ao chumbo, arsénico e mercúrio (22, 23, 24, 25, 26).
Também já ocorreram casos semelhantes de intoxicação por chumbo após a ingestão de remédios tradicionais da medicina chinesa (27). Intoxicações por lítio (28) e até mesmo por cianeto (29) após a ingestão de suplementos vendido através da internet.
Um dos incidentes mais dramáticos observados até hoje ocorreu no final dos anos 90, na Bélgica, no qual mais de 120 pessoas sofreram de problemas graves nos rins após terem ingerido um suplemento de ervas que deveria conter Stephania tetrandra, típico da medicina tradicional chinesa (30). Na mesma altura, ocorreu um acidente similar no Reino Unido (31).
Conclusão
Embora os suplementos alimentares e de ervas possam ser úteis em casos muito específicos, incluindo para o tratamento de algumas doenças (32, 33), tendo em conta o cenário atual, o leitor faria bem em agir com cautela e pensar e investigar bem antes de adquirir e iniciar a toma de um suplemento, sobretudo quando se trata de suplementos de ervas, de proveniência mais ou menos duvidosa.
No que diz respeito aos suplementos mais específicos para a prática de musculação e desporto, poderá ser boa ideia optar pelas marcas com maior prestígio no mercado, embora isso também não garanta que não vá ter problemas com esses suplementos, existindo ainda o risco de adquirir suplementos contrafeitos/falsificados.
Caso esteja a pensar em tomar um suplemento para tratar algum problema de saúde, aconselho/a vivamente a consultar o seu médico, para que este possa analisar o seu caso, verificar se esse suplemento é o mais adequado e tentar prevenir potenciais interações com os medicamentos que você possa eventualmente estar a tomar.
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