Avançar para o conteúdo principal

O Cálcio Inibe a Absorção de Zinco?

Afirma-se com frequência que o zinco, ou os suplementos que contêm zinco, tal como o ZMA, devem ser ingeridos com o estômago vazio e nunca juntamente com alimentos, bebidas ou outros suplementos que também contêm cálcio.

Isto é “senso comum” no mundo da musculação/fitness, mas será realmente verdade? Será que isso é realmente assim tão linear? Será que o cálcio realmente interfere ou diminui a absorção de zinco?

Na verdade, o receio de que o cálcio possa interferir na absorção de zinco é tão grande, que por vezes os consumidores ficam com a ideia de que o cálcio pode anular completamente a absorção de zinco e tornar a ingestão de suplementos de ZMA inútil.

Por essa mesma razão, a maioria dos praticantes de musculação e adeptos do estilo de vida fitness evitam completamente os típicos suplementos de minerais que combinam cálcio com zinco e magnésio, preferindo ingerir ZMA ou adquirir e ingerir suplementos de zinco e magnésio por separado.

O cálcio inibe a absorção de zinco?

A teoria por detrás desta "ideia" é que o cálcio utiliza os mesmos mecanismos de transporte que outros minerais como o zinco e que portanto, esta competição irá inevitavelmente provocar a diminuição da absorção de um mineral ou de ambos.

Seja como for, na realidade as coisas não são assim tão simples e já foram realizados alguns estudos e revisões que nos poderão ajudar a clarificar esta questão.

Numa revisão realizada pela The American Society for Nutritional Sciences (1), os investigadores  analisaram este tema chegaram às seguintes conclusões:

→ Parece pouco provável que o cálcio por si só tenha um efeito negativo na absorção do zinco. Nós adicionamos cálcio a uma fórmula de leite de vaca a um nível de ∼1300 mg/L e não encontramos diferenças significativas na absorção de zinco a partir da fórmula com o nível regular de cálcio (500 mg/L) (2).

→ De forma semelhante, em dois estudos (3, 4), os investigadores adicionaram grandes quantidades de cálcio a uma refeição e não encontraram quaisquer efeitos na absorção de zinco em adultos humanos.

→ Também parece que o consumo a longo prazo de suplementos de cálcio não tem qualquer efeito nos níveis de zinco e de magnésio. As mulheres gambianas que receberam 1000 mg de cálcio por dia, tinham concentrações de zinco no plasma similares às das mulheres que não tomaram o suplemento de cálcio (5).

O Zinco deve ser ingerido com o estômago vazio?

A resposta rápida é sim.

A absorção de zinco fora das refeições (com o estômago vazio), quando ingerido juntamente com uma solução de água, é bastante superior à quantidade que é absorvida quando este mineral é consumido com refeições.

Uma compilação de dados obtidos a partir de estudos de absorção de zinco em seres humanos demonstra que a quantidade de zinco absorvida a partir de uma refeição é de cerca de ∼18–20 μmol (6), enquanto a absorção de zinco a partir de uma solução aquosa pode atingir níveis de 80–100 μmol (7,8).

Esses estudos validam a sugestão referida por muitas empresas de suplementos, de que se deve ingerir o zinco ou suplementos com zinco como o ZMA, fora do horário das refeições, com o estômago vazio.

A história dos fitatos e do cálcio

Já foi demonstrado em vários estudos realizados em animais e em seres humanos, que o fitato tem um efeito inibidor da absorção do zinco (9, 10, 11).

Acontece que os grupos de fosfato podem formar complexos fortes e insolúveis com catiões como o zinco, o que faz com que este seja excretado sem chegar a ter sido absorvido pelo sistema gastrointestinal.

Infelizmente, muitos dos alimentos consumidos pelos praticantes de musculação, e também pela população em geral, contêm fitatos, tais como o milho, arroz, aveia, trigo, leguminosas, etc.

Apesar do cálcio por si só não interferir de forma negativa na absorção do zinco, o cálcio presente na dieta, como por exemplo aquele que está presente ao ingerirmos uma refeição, poderá afetar a absorção de zinco se nessa refeição estiverem presentes alimentos que contenham fitatos.

A razão para isso acontecer é que o cálcio tem uma certa tendência a formar complexos com o fitato e o zinco, que são insolúveis e consequentemente têm um efeito inibidor na absorção do zinco.

Apesar disso, os fitatos são sem dúvida alguma o principal componente responsável pela redução da absorção de zinco e podemos constatar isso ao analisar um estudo publicado em 2009, no qual os investigadores verificaram que o cálcio não potencia a inibição da absorção de zinco a partir da dieta (12).

Os investigadores do estudo concluíram:

Em mulheres saudáveis que consumiram 1 dia de menus de alimentos comuns (alguns deles fortificados com cálcio), o fitato dietético reduziu a absorção de zinco, mas o cálcio não diminuiu a absorção de zinco, independentemente da ingestão de fitato dietético ter sido baixa ou elevada.

Conclusão

É perfeitamente compreensível, e até desejável,  que as pessoas que adquirem suplementos de zinco e de ZMA procurem absorver a maior quantidade possível deste importante mineral, mas os dados científicos que temos ao dispor neste momento indicam que o cálcio por si só não inibe a absorção de zinco e por isso, não precisa de se preocupar com isso.

Considere também o fato de que os bebes ingerem apenas leite durante até 1 ano ou 1 ano e meio, e não parecem sofrer de deficiências de zinco. O leite materno também contem quantidades elevadas de cálcio, bem como de outros minerais como o ferro, zinco e magnésio.

Todos esses minerais são importantes para o bebe, e apesar deles os ingerirem todos combinados em todas as “refeições” que fazem, eles não sofrem deficiências de nenhum desses minerais devido a algum deles estar a “bloquear” a absorção de outros.

Dito isto, existem muitos suplementos de minerais que combinam cálcio com zinco e magnésio, e portanto, mesmo na presença do cálcio nesses suplementos, as pessoas que os ingerem também não deverão ter problemas em absorver o zinco e o magnésio.

O que parece ser realmente importante quando se trata de absorver a maior quantidade possível de zinco, é ter o cuidado de ingerir os suplementos de zinco fora das refeições, e não tem que ser necessariamente à noite, antes de deitar, pode ser em qualquer outra altura do dia.

Se me perguntassem se é mais importante tomar um suplemento de ZMA ou uma dose de proteína caseína antes de deitar, eu diria sem dúvida alguma que é mais importante ingerir a caseína, devido aos seus efeitos anti-catabólicos que proporciona durante o jejum nocturno, que a médio e a longo prazo poderão proporcionar uma maior aumento ou retenção da massa muscular.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Quanta proteína é possível absorver por refeição?

Dentre a série de tópicos relativamente controversos englobados no mundo da nutrição temos a questão da quantidade de proteína que o corpo humano consegue absorver no seguimento de uma dada refeição. Relacionado com a mesma temática, temos a questão da definição da quantidade de proteína que idealmente se deve ingerir após a execução de um treino resistido, com vista a maximizar a síntese de proteína muscular. Estudos publicados até há poucos anos concluíram que a ingestão de 20 a 25 g de proteína de boa qualidade (whey, proteína do leite, ou proteína de ovo) após um treino de musculação direcionado à musculatura dos membros inferiores seria o suficiente para maximizar a síntese de proteína muscular em adultos jovens e saudáveis, sendo que em doses superiores os aminoácidos “excedentários” seriam simplesmente oxidados. 1,2   Entretanto, em 2016, os autores Macnaughton et al. 3 verificaram que a suplementação com 40 g de proteína whey após uma sessão de treino de musculação de corpo i

Os Suplementos Termogénicos Funcionam?

A obesidade encontra-se classificada como uma doença crónica cuja prevalência tem vindo a aumentar ao ponto de atualmente ser considerada uma pandemia. ¹ Atualmente, verifica-se que a maioria da população europeia (60%) encontra-se na categoria de pré-obesidade, ou obesidade. ¹ Em Portugal o cenário é relativamente similar, com 57,1% dos indivíduos a apresentar um índice de massa corporal ≥25 kg/m². ²   Logicamente, esta população numerosa representa um mercado apetecível para as empresas envolvidas na produção e/ou comercialização de suplementos alimentares, que ambicionem aumentar as suas vendas.  Do conjunto de suplementos direcionados para a perda de peso/gordura, destacam-se os termogénicos, os quais, supostamente, promovem um aumento da lipólise através de um aumento do metabolismo, induzido por determinados compostos presentes nesses suplementos.  Mas será que os suplementos termogénicos efetivamente facilitam a perda de peso ou de gordura em indivíduos pré-obesos ou obesos?  Cl

É Melhor Perder Peso de Forma Rápida ou Lenta?

A perda de gordura pode proporcionar vários benefícios para a saúde daqueles que têm excesso de peso. ¹⁻² e é uma necessidade imperativa para atletas de determinados desportos e para aqueles que participam em competições de culturismo e similares.³ No entanto, independentemente do ritmo a que se perde peso, há uma série de consequências negativas que são praticamente impossíveis de evitar. Esses efeitos indesejáveis incluem a diminuição da taxa metabólica basal em repouso,⁴ dos níveis de testosterona,⁵ perda de massa magra,⁶ e diminuição da força muscular.⁷⁻⁸ De forma a minimizar esses efeitos negativos, são muitos aqueles que evitam as dietas mais drásticas, do tipo yo-yo e que, em vez disso, aconselham uma perda de peso lenta, por exemplo, de 0,5 kg de peso corporal, por semana.³ O que diz a ciência? Já foram conduzidos variados estudos que procuraram determinar qual a velocidade de perda de peso que melhor preserva a taxa metabólica, a massa magra, bem como os níveis de testosterona