Avançar para o conteúdo principal

Glutamina - Qual a sua utilidade?

A prevalência de atletas portugueses que consomem suplementos alimentares é elevada, sendo os suplementos multivitamínicos os mais populares entre esta população1.

A maioria usa estes produtos com a intenção de acelerar a recuperação, melhorar o seu desempenho desportivo, terem mais energia ou reduzirem a fadiga1. No entanto, o seu uso por parte de atletas, em alguns casos, não tem uma base científica como, por exemplo, no caso da suplementação de glutamina1.

Torna-se, portanto, crucial educar os atletas e dar-lhes acesso a informações científicas e imparciais, para que possam fazer escolhas assertivas e racionais no que diz respeito à utilização destes produtos1,2.

O que é a glutamina?

A EFSA (European Food Safety Authority) define suplementos alimentares como fontes concentradas de nutrientes (exemplos: vitaminas, minerais, aminoácidos) ou outras substâncias com efeito nutricional ou fisiológico, cujo objetivo é complementar a dieta, corrigindo deficiências nutricionais, mantendo uma ingestão adequada de certos nutrientes ou apoiando funções fisiológicas específicas do nosso organismo3.

A glutamina é um dos vários suplementos que se encontram à venda no mercado. Contudo, para compreender os seus potenciais benefícios, é importante começar por entender o que é a glutamina e qual a sua importância fisiológica.

A glutamina é o aminoácido mais abundante no nosso corpo4. É importante para o nosso sistema imunitário (que nos protege contra doenças) e para a gliconeogénese que ocorre no fígado e permite a produção de glicose ou glicogénio (substratos energéticos do nosso organismo)5.

É considerada um aminoácido condicionalmente essencial, ou seja, em situações de doença grave ou em organismos jovens e em desenvolvimento é considerada um aminoácido essencial, tornando-se necessária a sua ingestão através da alimentação (principais fontes alimentares: carne bovina, aves, peixe e trigo) para que haja o correto funcionamento do corpo4.

Caso contrário, a glutamina é considerada um aminoácido não essencial, ou seja, é produzida de forma endógena, principalmente nos músculos esqueléticos5.

A suplementação com glutamina proporciona benefícios?

Em situações de doença grave em que a massa muscular dos pacientes diminui rapidamente, podendo levar a uma diminuição da produção endógena de glutamina, a suplementação deste nutriente torna-se necessária e essencial, havendo evidência científica que suporta o seu uso clínico em pacientes críticos, em hematologia e em oncologia6.

No desporto, onde normalmente se lida com indivíduos saudáveis, os resultados alusivos a este suplemento alimentar não são tão promissores. A evidência científica existente refere que a suplementação de glutamina não afeta o sistema imunitário, o desempenho aeróbico ou a composição corporal do atleta adulto7.

Sabe-se que o exercício físico afeta a síntese de glutamina5, resultando numa diminuição da sua concentração plasmática após exercícios prolongados e exaustivos o que, consequentemente, poderia contribuir para o comprometimento do sistema imunitário, aumentando a suscetibilidade dos atletas a infeções oportunistas8, 9.

No entanto, essa sugestão foi abandonada bem como as razões sugeridas para a suplementação de glutamina em indivíduos saudáveis, nomeadamente, o suporte ao sistema imunitário, o aumento da produção de glicose ou glicogénio e o efeito anti-catabólico (impedir a diminuição e degradação da massa muscular)9.

É importante reter que os suplementos alimentares complementam a dieta, não a substituem, nem substituem o treino e, embora a suplementação com glutamina não demonstre grande utilidade para atletas, existem outros suplementos que sim, onde a sua ingestão, quando correta e adequada, poderá trazer benefícios para esta população.

Autor: Mariana Reis

➤ Mostrar/Ocultar Referências!

  1. Sousa M, Fernandes MJ, Moreira P, Teixeira VH (2013) Nutritional Supplements Usage by Portuguese Athletes. International Journal for Vitamin and Nutrition Research, 83, 48-58. DOI: https://doi.org/10.1024/0300-9831/a000144.
  2. Jovanov P, Đorđić V, Obradović B et al. (2019) Prevalence, knowledge and attitudes towards using sports supplements among young athletes. Journal of the International Society of Sports Nutrition, 16, 27-35. DOI: https://doi.org/10.1186/s12970-019-0294-7.
  3. EFSA – European Food Safety Authority. Food supplements. https://www.efsa.europa.eu/en/topics/topic/food-supplements (disponível a julho de 2020)
  4. Robert J & Smith MD (1990) Glutamine Metabolism and Its Physiologic Importance. Journal of Parenteral and Enteral Nutrition, 14(4S), 40S-44S. DOI: https://doi.org/10.1177/014860719001400402.
  5. Agostini F & Biolo G (2010) Effect of physical activity on glutamine metabolism. Current Opinion in Clinical Nutrition & Metabolic Care, 13(1), 58-64. DOI: 10.1097/MCO.0b013e328332f946.
  6. Wernerman J (2008) Clinical Use of Glutamine Supplementation. The Journal of Nutrition, 138(10), 2040S–2044S. DOI: https://doi.org/10.1093/jn/138.10.2040S.
  7. Ahmadi AR, Rayyani E, Bahreini M, Mansoori A (2019) The effect of glutamine supplementation on athletic performance, body composition, and immune function: A systematic review and a meta-analysis of clinical trials. Clinical Nutrition, 38(3), 1076-1091. DOI: 10.1016/j.clnu.2018.05.001.
  8. Castell LM, Newsholme EA (1997) The effects of oral glutamine supplementation on athletes after prolonged, exhaustive exercise. Nutrition, 13 (7-8), 738-742. DOI: https://doi.org/10.1016/S0899-9007(97)83036-5.
  9. Gleeson M (2008) Dosing and Efficacy of Glutamine Supplementation in Human Exercise and Sport Training. The Journal of Nutrition, 138(10), 2045S–2049S. DOI: https://doi.org/10.1093/jn/138.10.2045S.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Quanta proteína é possível absorver por refeição?

Dentre a série de tópicos relativamente controversos englobados no mundo da nutrição temos a questão da quantidade de proteína que o corpo humano consegue absorver no seguimento de uma dada refeição. Relacionado com a mesma temática, temos a questão da definição da quantidade de proteína que idealmente se deve ingerir após a execução de um treino resistido, com vista a maximizar a síntese de proteína muscular. Estudos publicados até há poucos anos concluíram que a ingestão de 20 a 25 g de proteína de boa qualidade (whey, proteína do leite, ou proteína de ovo) após um treino de musculação direcionado à musculatura dos membros inferiores seria o suficiente para maximizar a síntese de proteína muscular em adultos jovens e saudáveis, sendo que em doses superiores os aminoácidos “excedentários” seriam simplesmente oxidados. 1,2   Entretanto, em 2016, os autores Macnaughton et al. 3 verificaram que a suplementação com 40 g de proteína whey após uma sessão de treino de musculação de corpo i

Os Suplementos Termogénicos Funcionam?

A obesidade encontra-se classificada como uma doença crónica cuja prevalência tem vindo a aumentar ao ponto de atualmente ser considerada uma pandemia. ¹ Atualmente, verifica-se que a maioria da população europeia (60%) encontra-se na categoria de pré-obesidade, ou obesidade. ¹ Em Portugal o cenário é relativamente similar, com 57,1% dos indivíduos a apresentar um índice de massa corporal ≥25 kg/m². ²   Logicamente, esta população numerosa representa um mercado apetecível para as empresas envolvidas na produção e/ou comercialização de suplementos alimentares, que ambicionem aumentar as suas vendas.  Do conjunto de suplementos direcionados para a perda de peso/gordura, destacam-se os termogénicos, os quais, supostamente, promovem um aumento da lipólise através de um aumento do metabolismo, induzido por determinados compostos presentes nesses suplementos.  Mas será que os suplementos termogénicos efetivamente facilitam a perda de peso ou de gordura em indivíduos pré-obesos ou obesos?  Cl

É Melhor Perder Peso de Forma Rápida ou Lenta?

A perda de gordura pode proporcionar vários benefícios para a saúde daqueles que têm excesso de peso. ¹⁻² e é uma necessidade imperativa para atletas de determinados desportos e para aqueles que participam em competições de culturismo e similares.³ No entanto, independentemente do ritmo a que se perde peso, há uma série de consequências negativas que são praticamente impossíveis de evitar. Esses efeitos indesejáveis incluem a diminuição da taxa metabólica basal em repouso,⁴ dos níveis de testosterona,⁵ perda de massa magra,⁶ e diminuição da força muscular.⁷⁻⁸ De forma a minimizar esses efeitos negativos, são muitos aqueles que evitam as dietas mais drásticas, do tipo yo-yo e que, em vez disso, aconselham uma perda de peso lenta, por exemplo, de 0,5 kg de peso corporal, por semana.³ O que diz a ciência? Já foram conduzidos variados estudos que procuraram determinar qual a velocidade de perda de peso que melhor preserva a taxa metabólica, a massa magra, bem como os níveis de testosterona