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Ectomorfo, Mesomorfo ou Endomorfo - Devemos treinar e alimentar-nos de acordo com o nosso somatotipo?

Uma ideia regularmente promovida na área do fitness é a de que devemos treinar e alimentarmo-nos de acordo com o nosso ‘tipo de corpo’, ou somatótipo. Existem inclusive centenas de artigos que recomendam cada ‘tipo de corpo’ treinar ou comer de determinado modo.

O conceito de somatótipo surgiu originalmente em 1940 através de um psicológico chamado William Sheldon que tentou relacionar a estrutura corporal com fatores psíquicos, uma relação que acabou mais tarde por ser desacreditada. No entanto, a ideia de classificar a estrutura corporal acabou por se manter e se tornar popularizada na área do fitness.

Os ‘tipos de corpo’ podem ser classificados em 3 categorias:

  • Endomorfo
  • Mesomorfo
  • Ectomorfo

Na verdade, embora geralmente as pessoas se auto classifiquem de acordo com fatores arbitrários como o que conseguem ver ao espelho, existe um método específico para calcular o somatótipo individual em que a maioria das pessoas acabará por ser um misto destas classificações.

No entanto, geralmente considera-se que um indivíduo é endomorfo se tiver uma maior dificuldade em perder peso e maior facilidade em acumular gordura, mesomorfo se for naturalmente atlético e musculado, e ectomorfo se for naturalmente mais magro e tiver uma maior dificuldade em ganhar massa muscular.

Infelizmente, não parece existir evidência forte que nos permita afirmar que alguém deva comer ou treinar de acordo com o seu somatótipo. Contudo, é importantíssimo reconhecer que existe uma elevadíssima variabilidade entre pessoas a vários níveis. Adicionalmente, é possível criar fenótipos e agrupar as pessoas de acordo com certas respostas (metabólicas e comportamentais), que poderiam ser associados a este conceito de somatótipo.

Por exemplo, em resposta a um excedente energético de 1000kcal por dia durante 8 semanas, a variabilidade no ganho de peso foi entre 1.4 e 7.2kg, sendo as alterações no gasto energético associado à atividade física o fator mais determinante (1).

Outro grupo de estudos observou que os indivíduos que aumentaram mais o seu dispêndio calórico diário em resposta a 24 horas de excedente energético de 200%, e reduziram menos em resposta a 24 horas de jejum, foram os que perderam mais peso ao final de 6 semanas (2).

O mesmo já foi observado em relação ao ganho de peso (3). Poderíamos assumir que quem ganhou menos peso em resposta a um excedente, ou perdeu mais peso em resposta a um défice, teria tendência a ter uma resposta mais típica de um ‘ectomorfo’.

Algo interessante, é que estas pessoas com um perfil mais ‘gastador’ (i.e., maiores aumentos no gasto energético em resposta a um excedente calórico) também parecem ter um maior aumento no dispêndio energético em resposta ao frio (4).

A variabilidade ao nível do ganho de massa muscular em resposta ao treino de força também parece ser bastante variável (5). Isto significa que enquanto algumas pessoas poderão ter uma maior dificuldade em ganhar massa muscular, outras poderão ter uma predisposição para ganhar mais facilmente.

Um ponto interessante é que cada desporto parece ser caracterizado por um somatótipo específico. Ou seja, pessoas com uma certa estrutura corporal poderão estar mais predispostas para ser bem-sucedidas em determinadas modalidades.

O mesmo poderá acontecer em exercícios básicos no ginásio. Enquanto um indivíduo poderá ter uma maior dificuldade em progredir no supino por ter os braços mais longos, este poderá ter uma maior facilidade num peso morto ao ter de percorrer uma distância menor. A estrutura do corpo irá determinar em parte a capacidade de o indivíduo ser bem-sucedido.

No entanto, se estes ‘tipos de corpo’ se encontram relacionados com diferenças metabólicas / fisiológicas, ou a requerimentos nutricionais ou de exercícios específicos, ainda não é conhecido. Contudo, alguma evidência parece apontar para algumas associações entre somatótipos e performance.

Por exemplo, um estudo de 2018 observou correlações entre ‘mesomorfismo’ e níveis de força (3RM) no supino e agachamento (6). Na verdade, esta observação faz sentido considerando a relação previamente reportada entre quantidade de massa muscular e níveis de força máxima.

No fundo, o conceito de somatótipo poderá ser interessante do ponto de vista da caracterização da estrutura física de um indivíduo, mas não necessariamente com o objetivo de criar um plano de treino ou alimentar específico. O plano deverá ser sempre ajustado de acordo com as respostas individuais, que poderão ou não estar relacionadas com o que seria expectável de um somatótipo específico.

Um indivíduo que tenha tendência a ter um apetite mais reduzido e um maior aumento no gasto energético em resposta a excedentes calóricos (um perfil mais ‘gastador’ e ‘ectomórfico’) deverá utilizar estratégias que permitam facilitar o alcance desse objetivo. Por exemplo, deverá ter cuidado e moderar a quantidade de atividade física para evitar dispêndios energéticos muito elevados e aumentar o consumo de alimentos com uma elevada densidade energética.

Por outro lado, indivíduos que tenham mecanismos compensatórios mais fortes em relação à perda de peso (um perfil mais ‘poupador’ e ‘endomórfico’), deverão procurar estratégias que permitam manter um défice calórico de forma consistente. Por exemplo, aumentar os níveis de atividade física de forma planeada para elevar o dispêndio energético diário e reduzir a densidade energética da dieta para potenciar as sensações de saciedade.

Cada indivíduo tem uma predisposição genética (e.g., estrutura corporal e fisiologia) que poderá facilitar ou dificultar as adaptações desejadas. No entanto, com a exceção de casos raríssimos, todos poderão melhorar e aproximar-se dos objetivos que ambicionam. Será uma questão de reconhecer as dificuldades (ou facilidades) inerentes ao processo e manipular as variáveis disponíveis de modo a potenciar o processo.

Autor: Nuno Casanova

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