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Conversão de Hidratos para Gordura, Será um Processo Significativo?

 

LIPOGÉNESE DE NOVO

Existe um processo que converte os hidratos (glucose) em gorduras chamado de “lipogénese de novo". Será esse processo significativo no metabolismo humano?

Esse processo já foi directamente medido várias vezes ao utilizarem técnicas isotópicas para rotularem as moléculas e verem para onde vão, entre outras técnicas laboratoriais.

Experiências com métodos de medição de gás respiratório (1,2) ou com marcadores isotópicos (3,4) indicam que em condições normais o ritmo da lipogénese de novo é pequeno, e quantitativamente irrelevante em sujeitos humanos numa dieta típica (3,5,6,7,8).

Quantidades muito limitadas estão disponíveis para lipogénese de novo numa típica dieta ocidental, devido ao conteúdo de gordura (35-40% de energia como gordura, ou mais). Quando esta dieta foi administrada em sujeitos saudáveis, a lipogénese hepática (fígado) foi nula ou muito baixa (3,9,10). Outro estudo com 68% de hidratos complexos resultou em lipogénese hepática mínima (11).

FRUTOSE, SACAROSE E OBESIDADE

Esta situação em obesos não é diferente, nem a forma de hidratos influencia de forma diferente este processo metabólico: mulheres magras e obesas com 50% de excesso na forma de glucose ou sacarose não demonstraram diferença no ritmo de lipogénese quer entre glucose e sacarose, quer entre magras e obesas (12).

Os autores calcularam que apenas 3 a 8 gramas de gordura por dia foram produzidas através da lipogénese de 360-390 gramas de hidratos ingeridos por dia, ou seja apenas cerca de 0.8-2%. Contudo, 60-70 gramas de gordura corporal foram armazenadas, não vindo da lipogénese de novo mas sim da supressão da oxidação da gordura ingerida, aumentando assim o armazenamento de gordura.

Isto porque na hierarquia de selecção de combustível, hidratos e proteína assumem a prioridade devido à menor capacidade de armazenamento para ambas em comparação com as reservas de gordura (13,14,15,16,17,18).

Estes ajustes na oxidação de hidratos são necessários para manter a reservas de glicogénio estritamente reguladas (19). A oxidação de gordura é suprimida por elevada ingestão de outros macro-nutrientes, é reduzida em excesso calórico (17,18).

Outros estudos confirmam a ausência de um fluxo significativo através da lipogénese hepática sob a maioria das condições de excesso energético vindo de hidratos (20,21).

A lipogénese de novo no tecido adiposo em sujeitos obesos e magros é igualmente baixa tal como na lipogénese hepática (2-5g/d) em condições livres com dieta habitual (22).

EXCESSO MASSIVO DE HIDRATOS

Quando sujeitos saudáveis são alimentados com excesso de hidratos, a lipogénese hepática e produção de glucose aumentam e o aumento é proporcional ao excesso de hidratos (10). Contudo um pequeno aumento de algo insignificante continua a ser insignificante.

Por exemplo, mesmo em excesso calórico de 1000 kcal por dia (!) na forma de hidratos durante 21 dias (250g por dia x 21 = 5250g totais) houve apenas conversão em média de 332g de glucose em gordura, apenas, cerca de 6%, e falamos de um excesso de hidratos de 1000 kcal por dia durante 21 dias (23).

SITUAÇÕES ESPECIAIS

Outra condição que produz um aumento de lipogénese hepática, mesmo em equilíbrio energético, é quando sujeitos saudáveis são alimentados com uma dieta com gordura igual ou abaixo dos 10% de energia acompanhado de 75% de energia em forma de hidratos (9,24). Em contraste com mínima lipogénese de novo com 40% de energia como gordura e 45% como hidratos (9).

Outra situação é quando mais de metade dos hidratos são consumidos na forma de açucares simples também numa dieta com 10% de gordura (25). Mas novamente, um pequeno aumento de algo praticamente insignificante continua a ser algo insignificante.

Autor: Sérgio Fontinhas

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  2. Acheson KJ, Flatt J-P, Jéquier E. Glycogen synthesis versus lipogenesis after a 500 gram carbohydrate meal in man. Metabolism 1982;31:1234–40.
  3. Hellerstein MK, Christiansen M, Kaempfer S, Kletke C,Wu K, Reid JS, et al. Measurement of de novo hepatic lipogenesis in humans using stable isotopes. J Clin Invest 1991;87:1841–52.
  4. Leitch CA, Jones PJH. Measurement of human lipogenesis using deuterium incorporation. J Lipid Res 1993;34:157–63.
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  8. Acheson K, Schutz Y, Bessard T, Ravussin E, Jequier E, Flatt JP. Nutritional influences on lipogenesis and thermogenesis after a carbohydrate meal. Am I Physiol l984;246:E62-70.
  9. Hudgins LC, Hellerstein M, Seidman C, Neese R, Diakun J, Hirsch J. Human fatty acid synthesis is stimulated by a eucaloric low fat, high carbohydrate diet. J Clin Invest 1996;97:2081–91.
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