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Como estimar o dispêndio energético de um atleta?

Estimar o gasto energético de um atleta poderá não ser tarefa fácil.

De acordo com a American College of Sports Nutrition, as necessidades energéticas dos atletas dependem de variáveis como a periodização do treino e do ciclo de competição e irão variar de dia para dia ao longo do plano de treino anual.1

O dispêndio energético total (TEE) consiste na soma de três componentes básicos:1,2

  • Taxa metabólica basal (60%)
  • Efeito térmico dos alimentos (10%)
  • Gasto energético da atividade física (20-50%)

Notavelmente, os atletas têm um gasto energético notoriamente superior ao da população em geral. De facto, podem facilmente atingir as 5000-8000 kcal/dia e gastar até 75% do seu dispêndio energético total diário com a prática de exercício.3

Dada a importância da ingestão energética no controlo do peso corporal e uma vez que o rendimento desportivo pode diminuir em atletas com défice de energia, é extremamente importante determinar, da forma mais precisa possível, o dispêndio energético total destes indivíduos, sobretudo quando se pretende formular planos alimentares individualizados.3

Atualmente, o método da água duplamente marcada é considerado o gold standard para a determinação do dispêndio energético total. Outros métodos de referência incluem a calorimetria direta e indireta.3,4 Contudo, estes métodos podem ser dispendiosos, de difícil acesso e/ou de difícil aplicação.3,4

Todavia, existem outros métodos que, embora não sejam tão precisos, são mais económicos, de aplicação mais fácil e também permitem obter estimativas razoáveis do dispêndio energético de atletas.1,5

Estimar a Taxa Metabólica Basal

O primeiro passo para estimar o dispêndio energético total de um atleta será determinar a sua taxa metabólica basal.

A American College of Sports Nutrition afirma que é possível obter uma estimativa razoável da taxa metabólica basal usando a equação de Cunningham ou de Harris-Benedict, com a aplicação de um fator de atividade apropriado, para se obter uma estimativa do dispêndio energético total.1

De acordo com um trabalho recente, a equação de Harris-Benedict parece ser a mais fiável para atletas do sexo masculino, enquanto que a equação de Cunningham será a mais adequada para as atletas do sexo feminino.5

A fórmula de Harris-Benedict Equation para indivíduos do sexo masculino é a que se segue:5

Taxa metabólica basal (kcal/dia) = 66,47 + 13,75 x Peso (kg) + 5 x Altura (cm) – 6,76 x Idade (anos)

Para um atleta com 20 anos de idade, 75 kg e 175 cm de altura, teríamos os seguinte valores:

66,47 + 13,75 x 75 + 5 x 175 – 6,76 x 20 = 1838 kcal/dia

PAL

O conceito de PAL ou Physical Activity Level foi desenvolvido pela FAO/WHO/UNU com o objetivo de auxiliar no cálculo das necessidades energéticas do ser humano. O PAL é definido como a energia total necessária ao longo de 24 horas, dividido pela taxa metabólica basal ao longo de 24 horas.6

O PAL pode ser medido ou estimado a partir da média de 24 horas de dispêndio energético total e taxa metabólica basal. Multiplicar o PAL pela taxa metabólica basal dá-nos o valor de dispêndio energético total.6

Categoria Exemplo PAL
Completamente inativos Pacientes com paralisia cerebral. 1,21
Sedentário ou ligeiramente ativo Trabalho de escritório 1,40-1,69
Ativo ou moderadamente ativo 1 h de exercício moderado a vigoroso (jogging/corrida, ciclismo, dança aeróbica ou outros desportos). 1,70-1,99
Vigoroso ou vigorosamente ativo Natação ou dança durante ±2 h/ dia 2,00-2,40
Extremamente vigoroso Ciclismo competitivo. >2.40 (4,5 a 4,7)

De notar que estes valores aplicam-se a homens adultos e a mulheres não grávidas e não lactentes.6

Como calcular o dispêndio energético total com o PAL

  1. Uma vez obtido o valor da taxa metabólica basal, multiplicaríamos esse valor pelo respetivo PAL. Caso o indivíduo tivesse um estilo de vida moderadamente ativo, selecionaríamos o ponto médio dessa categoria (1,85).
  2. Para um indivíduo do sexo masculino com um PAL de 1,85 e uma taxa metabólica basal média de 1838 kcal/dia, teríamos um dispêndio energético total médio de 1,85 x 1838 = 3400 kcal/dia.6

No entanto, é necessário ter em conta que existem indivíduos com valores de taxa metabólica basal ou PAL que se encontram nos extremos de uma distribuição normal ao redor da média da população. Por esse motivo, apesar do PAL poder ser aplicado em grupos de população, não deveria ser usado em indivíduos.6

PAR

É possível obter um valor mais preciso de PAL através do uso do PAR (Physical Activity Ratio), a qual corresponde ao custo energético de uma dada atividade, por unidade de tempo, expressa como um múltiplo da Taxa Metabólica Basal. É calculado como a energia gasta numa atividade/taxa metabólica basal, para a unidade de tempo selecionada.6

É possível ver um exemplo na tabela abaixo.

Atividades principais Tempo (h) PAR Tempo x PAR
Dormir 8 1 8,0
Cuidados pessoas (vestir, tomar duche) 1 2,3 2,3
Comer 1 1,5 1,5
Permanecer em pé, carregar pesos leves. 8 2,2 17,6
Deslocar-se de autocarro 1 1,2 1,2
Caminhar a velocidades variáveis, sem carga 1 3,2 3,2
Jogar futebol 1 8 8
Atividades de lazer (ver TV, conversar) 3 1,4 4,2
Total 24   46

De forma a obtermos o valor de PAL médio, dividimos o Tempo x PAR por 24 horas. Neste caso teríamos 46/24 = 1,92. Desta forma conseguimos um valor de PAL médio mais preciso.

Exemplo:

Voltando a usar o exemplo do nosso indivíduo com uma taxa metabólica basal média de 1838 kcal/dia:

Dispêndio energético total = 1,92 x 1838 = 3529 kcal/dia.

METs

O American College of Sport Medicine sugere que os METs podem ser usados para obter estimativas do dispêndio energético do exercício.1

Um MET representa a energia gasta por um indivíduo em repouso e tem um valor aproximado de 3,5 mililitros de oxigénio consumido por kg de peso corporal, por minuto. Uma atividade equivalente a 4 METs requer que o corpo use uma quantidade de oxigénio 4 vezes superior comparativamente a um corpo em descanso, o que significa que requer mais energia e queima mais calorias.7,8

Uma vez que o valor de RMR é bastante próximo de 1 kcal x kg de peso corporal x hora, o custo energético de atividades poderá ser expresso em múltiplos de RMR. Ao multiplicar o peso corporal em kg pelo valor de MET e a duração da atividade, é possível estimar o gasto energético (kcal) que é específico para o peso corporal de um dado indivíduo.7,8

Para calcular o gasto energético de uma atividade usa-se a seguinte equação:

Kcal x kg de peso corporal x hora.

Como exemplo, para um indivíduo com 75 kg que faça ciclismo durante 40 minutos:

4 METs x 75 kg de peso corporal x (40 min/60 min) = 200 kcal.

Dividindo 200 kcal por 40 min obtemos o valor de 5 kcal por minuto.

Podemos ainda obter uma estimativa do dispêndio energético total diário:

Atividades principais Tempo (h) METs METs x Peso x h
Dormir 8 0,96 576
Cuidados pessoas (vestir, tomar duche) 1 2,0 150
Comer 1 1,5 112,5
Permanecer em pé (trabalho leve). 8 2,3 1380
Deslocar-se de autocarro 1 1,3 97,5
Caminhar a velocidades variáveis, sem carga 1 4,0 300
Jogar futebol competitivo 1 10 750
Atividades de lazer (ver televisão) 3 1,3 292,5
Total 24 23,36 3658,5

Desta forma, obteremos um dispêndio energético total de 3658,5 kcal/dia.

De notar que este sistema foi criado para auxiliar na realização de inquéritos de grupos populacionais e não para determinar o dispêndio energético de indivíduos.8

De facto, as diferenças individuais em termos de dispêndio energético para a mesma atividade podem ser grandes e o verdadeiro custo energético para uma pessoa poderá ser ou poderá não ser próximo ao do valor de MET.7-9

Weareables

Têm vindo a surgir no mercado dispositivos vestíveis que registam determinadas variáveis fisiológicas e movimento corporais e convertem esta informação em dados de dispêndio energético.10

Entre os vários tipos de Weareables existentes, destaca-se o SenseWear armband, um dispositivo que contém vários sensores, incluindo um acelerómetro, um sensor de fluxo térmico, um sensor galvânico que regista a resposta da pele, um sensor de temperatura da pele e um sensor da temperatura do ar.10,11

Um estudo comparou o SenseWear armband com outros 4 dispositivos (CSA, TriTrac-R3D, RT3 e BioTrainer-Pro) em termos de eficácia na determinação do dispêndio energético de 21 adultos saudáveis enquanto estes corriam, a diferentes intensidades, numa passadeira de correr. Aqui, os investigadores  concluíram que o SenseWear armband foi o equipamento mais preciso.12

Um outro estudo revela-nos que, o SenseWear armband não é tão preciso a estimar o dispêndio energético como a calorimetria indireta, mas que ainda assim poderá ser uma ferramenta útil para determinar os níveis de dispêndio energético, a baixas intensidades.4

➤ Mostrar/Ocultar Referências!
  1. Thomas DT, Erdman KA, Burke LM. American College of Sports Medicine Joint Position Statement. Nutrition and Athletic Performance. Medicine and science in sports and exercise. 2016;48(3):543-568.
  2. Westerterp KR. Exercise, energy expenditure and energy balance, as measured with doubly labelled water. Proceedings of the Nutrition Society. 2018;77(1):4-10.
  3. Koehler K, Drenowatz C. Monitoring Energy Expenditure Using a Multi-Sensor Device—Applications and Limitations of the SenseWear Armband in Athletic Populations. Frontiers in physiology. 2017;8(983).
  4. Santos-Lozano A, Hernández-Vicente A, Pérez-Isaac R, et al. Is the SenseWear Armband accurate enough to quantify and estimate energy expenditure in healthy adults? Annals of translational medicine. 2017;5(5):97-97.
  5. Jagim AR, Camic CL, Kisiolek J, et al. Accuracy of Resting Metabolic Rate Prediction Equations in Athletes. Journal of strength and conditioning research. 2018;32(7):1875-1881.
  6. FAO/WHO/UNU Expert Consultation. Human energy requirements. Scientific background papers from the Joint FAO/WHO/UNU Expert Consultation. Rome, Italy
  7. Ainsworth BE, Haskell WL, Whitt MC, et al. Compendium of physical activities: an update of activity codes and MET intensities. Medicine and science in sports and exercise. 2000;32(9 Suppl):S498-504.
  8. Ainsworth BE, Haskell WL, Herrmann SD, et al. 2011 Compendium of Physical Activities: a second update of codes and MET values. Medicine and science in sports and exercise. 2011;43(8):1575-1581.
  9. Ainsworth BE, Haskell WL, Leon AS, et al. Compendium of physical activities: classification of energy costs of human physical activities. Medicine and science in sports and exercise. 1993;25(1):71-80.
  10. Koehler K, Drenowatz C. Monitoring Energy Expenditure Using a Multi-Sensor Device-Applications and Limitations of the SenseWear Armband in Athletic Populations. Frontiers in physiology. 2017;8:983.
  11. Manns PJ, Haennel RG. SenseWear Armband and Stroke: Validity of Energy Expenditure and Step Count Measurement during Walking. Stroke research and treatment. 2012;2012:247165.
  12. King GA, Torres N, Potter C, Brooks TJ, Coleman KJ. Comparison of activity monitors to estimate energy cost of treadmill exercise. Medicine and science in sports and exercise. 2004;36(7):1244-1251.

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