Avançar para o conteúdo principal

A importância da hidratação para atletas

No que respeita ao tema da hidratação, as recomendações típicas vão no sentido de manter o atleta euhidratado em todos os momentos, desde antes do início dos treinos e provas, até durante e no final.(1-3)

Isto faz sentido porque se verificou que uma percentagem significativa dos atletas inicia os treinos e provas desidratado(4-9) e a literatura existente demonstra de forma clara que o rendimento físico se degrada de forma notória quando o exercício é iniciado com o atleta num estado de hipohidratação equivalente à perda de 2% da sua massa corporal, especialmente em ambientes quentes.(10-18)

Para tornar o cenário ainda mais sério, verificou-se que a ingestão de fluídos ad libitum (à vontade) durante os treinos ou provas, raramente é suficiente para repor os fluídos perdidos através do suor, prevenir a desidratação progressiva dos atletas(1, 5) e evitar que estes percam mais de 2%-3% do seu peso corporal.(19)

Quais as consequências da desidratação?

A resposta fisiológica ao exercício hipohidratado já foi bem caracterizada. Em comparação com o exercício euhidratado, o exercício hipohidratado pode provocar:

  • ↑ frequência cardíaca(20)
  • ↑ temperatura corporal(20)
  • ↑ glicogenólise (21)
  • ↑ perceção do esforço(11, 22)
  • ↑ Fadiga muscular(23)
  • ↓ fluxo sanguíneo na pele(24)
  • ↓ no músculo esquelético(24)

A desidratação pode ainda causar sintomas como: sede, mal estar geral, apatia, dor de cabeça, tonturas, náuseas, diarreia, vómitos, sensação de calor ou arrepios, cãibras gastrointestinais(25) e também aumenta o risco de insolação.(2)

Qual o impacto na performance?

Judelson et al.(18) realizou uma revisão sistemática da literatura disponível e conclui que um nível de desidratação de 3-4% provoca uma diminuição de:

  • 2% da força
  • 3% da potência
  • 10% da performance na endurance de alta intensidade (>30 seg e < 2 min)

Uma meta-análise mais recente, publicada em 2015,(26) verificou que a desidratação tem efeitos negativos na performence, incluindo uma diminuição de:

  • 8,3% da endurance muscular
  • 5,5% da força muscular
  • 5,8% da potência anaeróbica

A temperatura ambiente modula os efeitos da desidratação na performance?

Já foi demonstrado que a hipohidratação de 3% da massa corporal não diminuiu a performance num contra-relógio de 30 min quando a prova foi realizada num ambiente frio (2°C), embora tenha diminuído a performance quando essa atividade foi realizada num ambiente à temperatura de 20°C.(27)

Kennefick et al. (2010) também verificou que o aumento progressivo da temperatura ambiental (10°C, 20°C, 30°C, 40°C) provoca uma diminuição progressiva da performance causada por um nível de hipohidratação de 4% da massa corporal.(28)

Os autores deste último trabalho sugerem que isso deve-se ao aumento da temperatura da pele em condições quentes, que aumenta o fluxo sanguíneo na pele e consequentemente, impõe um maior esforço cardiovascular que, em conjunto com a diminuição do volume de sangue (hipovolemia) induzido pela hipohidratação, poderá ser responsável pela maior quebra da performance a temperaturas ambientais mais elevadas.(28)

A perda de peso associada à desidratação pode potenciar a performance?

Coyle (2004) propôs que, para algumas formas de exercício em que a massa corporal é uma consideração importante para a performance (ex. corrida), a hipohidratação poderá ser “funcional” uma vez que a diminuição da massa corporal poderá aumentar o rácio de potência-para-massa e diminuir o custo energético do exercício.(29)

Apesar disto, verificou-se que, em corridas de endurance, a perda de massa corporal se associa de forma negativa ao tempo de conclusão da prova durante um triatlo de ironman(30-32) e apenas foi relacionada de forma positiva à distância percorrida durante uma ultra-maratona de 24 h.(33)

Vários estudos observaram resultados similares independentemente de se tratar de uma modalidade desportiva na qual o rácio de potência para massa é importante(10, 15-17, 34, 35) ou não (ex: bicicleta estática/ergométrica).(11-14, 28)

No entanto, os autores de uma meta-análise realizada em 2015 referem ser possível que a perda de água corporal (~3% do peso corporal) possa potenciar a performance em tarefas desportivas dependentes do peso corporal, tais como o salto vertical.(26)

Estes investigadores estimam que, acima de um limiar de perda de peso corporal de 2,1%, por cada redução de 1% do peso corporal devido à desidratação, a capacidade de salto aumenta em 1%.(26)

De notar que também é possível aumentar a tolerância do atleta à desidratação através da realização de treinos sem ingestão de fluídos ou desidratado.(36)

➤ Mostrar/Ocultar Referências!
  1. Von Duvillard SP, Braun WA, Markofski M, Beneke R, Leithauser R. Fluids and hydration in prolonged endurance performance. Nutrition (Burbank, Los Angeles County, Calif). 2004; 20(7-8):651-6.
  2. Sawka MN, Burke LM, Eichner ER, Maughan RJ, Montain SJ, Stachenfeld NS. American College of Sports Medicine position stand. Exercise and fluid replacement. Medicine and science in sports and exercise. 2007; 39(2):377-90.
  3. McDermott BP, Anderson SA, Armstrong LE, Casa DJ, Cheuvront SN, Cooper L, et al. National Athletic Trainers' Association Position Statement: Fluid Replacement for the Physically Active. Journal of athletic training. 2017; 52(9):877-95.
  4. Garth AK, Burke LM. What do athletes drink during competitive sporting activities? Sports medicine (Auckland, NZ). 2013; 43(7):539-64.
  5. Arnaoutis G, Kavouras SA, Kotsis YP, Tsekouras YE, Makrillos M, Bardis CN. Ad libitum fluid intake does not prevent dehydration in suboptimally hydrated young soccer players during a training session of a summer camp. International journal of sport nutrition and exercise metabolism. 2013; 23(3):245-51.
  6. Silva RP, Mundel T, Natali AJ, Bara Filho MG, Lima JR, Alfenas RC, et al. Fluid balance of elite Brazilian youth soccer players during consecutive days of training. Journal of sports sciences. 2011; 29(7):725-32.
  7. Phillips SM, Sykes D, Gibson N. Hydration Status and Fluid Balance of Elite European Youth Soccer Players during Consecutive Training Sessions. Journal of sports science & medicine. 2014; 13(4):817-22.
  8. Castro-Sepulveda M, Astudillo J, Letelier P, Zbinden-Foncea H. Prevalence of Dehydration Before Training Sessions, Friendly and Official Matches in Elite Female Soccer Players. Journal of human kinetics. 2016; 50:79-84.
  9. Maughan RJ, Shirreffs SM. Dehydration and rehydration in competative sport. Scandinavian journal of medicine & science in sports. 2010; 20 Suppl 3:40-7.
  10. Armstrong LE, Costill DL, Fink WJ. Influence of diuretic-induced dehydration on competitive running performance. Medicine and science in sports and exercise. 1985; 17(4):456-61.
  11. Walsh RM, Noakes TD, Hawley JA, Dennis SC. Impaired high-intensity cycling performance time at low levels of dehydration. International journal of sports medicine. 1994; 15(7):392-8.
  12. Below PR, Mora-Rodriguez R, Gonzalez-Alonso J, Coyle EF. Fluid and carbohydrate ingestion independently improve performance during 1 h of intense exercise. Medicine and science in sports and exercise. 1995; 27(2):200-10.
  13. McConell GK, Burge CM, Skinner SL, Hargreaves M. Influence of ingested fluid volume on physiological responses during prolonged exercise. Acta physiologica Scandinavica. 1997; 160(2):149-56.
  14. Cheuvront SN, Carter R, 3rd, Castellani JW, Sawka MN. Hypohydration impairs endurance exercise performance in temperate but not cold air. Journal of applied physiology (Bethesda, Md : 1985). 2005; 99(5):1972-6.
  15. Ebert TR, Martin DT, Bullock N, Mujika I, Quod MJ, Farthing LA, et al. Influence of hydration status on thermoregulation and cycling hill climbing. Medicine and science in sports and exercise. 2007; 39(2):323-9.
  16. Casa DJ, Stearns RL, Lopez RM, Ganio MS, McDermott BP, Walker Yeargin S, et al. Influence of hydration on physiological function and performance during trail running in the heat. Journal of athletic training. 2010; 45(2):147-56.
  17. Lopez RM, Casa DJ, Jensen KA, DeMartini JK, Pagnotta KD, Ruiz RC, et al. Examining the influence of hydration status on physiological responses and running speed during trail running in the heat with controlled exercise intensity. Journal of strength and conditioning research. 2011; 25(11):2944-54.
  18. Judelson DA, Maresh CM, Anderson JM, Armstrong LE, Casa DJ, Kraemer WJ, et al. Hydration and muscular performance: does fluid balance affect strength, power and high-intensity endurance? Sports medicine (Auckland, NZ). 2007; 37(10):907-21.
  19. Beis LY, Wright-Whyte M, Fudge B, Noakes T, Pitsiladis YP. Drinking behaviors of elite male runners during marathon competition. Clinical journal of sport medicine : official journal of the Canadian Academy of Sport Medicine. 2012; 22(3):254-61.
  20. Montain SJ, Coyle EF. Influence of graded dehydration on hyperthermia and cardiovascular drift during exercise. Journal of applied physiology (Bethesda, Md : 1985). 1992; 73(4):1340-50.
  21. Logan-Sprenger HM, Heigenhauser GJ, Killian KJ, Spriet LL. Effects of dehydration during cycling on skeletal muscle metabolism in females. Medicine and science in sports and exercise. 2012; 44(10):1949-57.
  22. Mudambo KS, Leese GP, Rennie MJ. Dehydration in soldiers during walking/running exercise in the heat and the effects of fluid ingestion during and after exercise. European journal of applied physiology and occupational physiology. 1997; 76(6):517-24.
  23. BIGARD A-X, SANCHEZ H, CLAVEYROLAS G, MARTIN S, THIMONIER B, ARNAUD MJ. Effects of dehydration and rehydration on EMG changes during fatiguing contractions. Medicine & Science in Sports & Exercise. 2001; 33(10):1694-700.
  24. González-Alonso J, Calbet JA, Nielsen B. Muscle blood flow is reduced with dehydration during prolonged exercise in humans. The Journal of physiology. 1998; 513 ( Pt 3)(Pt 3):895-905.
  25. McDermott BP, Anderson SA, Armstrong LE, Casa DJ, Cheuvront SN, Cooper L, et al. National Athletic Trainers' Association Position Statement: Fluid Replacement for the Physically Active. J Athl Train. 2017; 52(9):877-95.
  26. Savoie FA, Kenefick RW, Ely BR, Cheuvront SN, Goulet ED. Effect of Hypohydration on Muscle Endurance, Strength, Anaerobic Power and Capacity and Vertical Jumping Ability: A Meta-Analysis. Sports medicine (Auckland, NZ). 2015; 45(8):1207-27.
  27. Cheuvront SN, Carter R, Castellani JW, Sawka MN. Hypohydration impairs endurance exercise performance in temperate but not cold air. Journal of Applied Physiology. 2005; 99(5):1972-76.
  28. Kenefick RW, Cheuvront SN, Palombo LJ, Ely BR, Sawka MN. Skin temperature modifies the impact of hypohydration on aerobic performance. Journal of applied physiology (Bethesda, Md : 1985). 2010; 109(1):79-86.
  29. Coyle EF. Fluid and fuel intake during exercise. Journal of sports sciences. 2004; 22(1):39-55.
  30. Sharwood KA, Collins M, Goedecke JH, Wilson G, Noakes TD. Weight changes, medical complications, and performance during an Ironman triathlon. British journal of sports medicine. 2004; 38(6):718-24.
  31. Wharam PC, Speedy DB, Noakes TD, Thompson JM, Reid SA, Holtzhausen LM. NSAID use increases the risk of developing hyponatremia during an Ironman triathlon. Medicine and science in sports and exercise. 2006; 38(4):618-22.
  32. Lee JK, Nio AQ, Ang WH, Johnson C, Aziz AR, Lim CL, et al. First reported cases of exercise-associated hyponatremia in Asia. International journal of sports medicine. 2011; 32(4):297-302.
  33. Kao WF, Shyu CL, Yang XW, Hsu TF, Chen JJ, Kao WC, et al. Athletic performance and serial weight changes during 12- and 24-hour ultra-marathons. Clinical journal of sport medicine : official journal of the Canadian Academy of Sport Medicine. 2008; 18(2):155-8.
  34. Craig EN, Cummings EG. Dehydration and muscular work. J Appl Physiol. 1966; 21(2):670-4.
  35. Stearns RL, Casa DJ, Lopez RM, McDermott BP, Ganio MS, Decher NR, et al. Influence of hydration status on pacing during trail running in the heat. Journal of strength and conditioning research. 2009; 23(9):2533-41.
  36. Fleming J, James LJ. Repeated familiarisation with hypohydration attenuates the performance decrement caused by hypohydration during treadmill running. Applied physiology, nutrition, and metabolism = Physiologie appliquee, nutrition et metabolisme. 2014; 39(2):124-9.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Quanta proteína é possível absorver por refeição?

Dentre a série de tópicos relativamente controversos englobados no mundo da nutrição temos a questão da quantidade de proteína que o corpo humano consegue absorver no seguimento de uma dada refeição. Relacionado com a mesma temática, temos a questão da definição da quantidade de proteína que idealmente se deve ingerir após a execução de um treino resistido, com vista a maximizar a síntese de proteína muscular. Estudos publicados até há poucos anos concluíram que a ingestão de 20 a 25 g de proteína de boa qualidade (whey, proteína do leite, ou proteína de ovo) após um treino de musculação direcionado à musculatura dos membros inferiores seria o suficiente para maximizar a síntese de proteína muscular em adultos jovens e saudáveis, sendo que em doses superiores os aminoácidos “excedentários” seriam simplesmente oxidados. 1,2   Entretanto, em 2016, os autores Macnaughton et al. 3 verificaram que a suplementação com 40 g de proteína whey após uma sessão de treino de musculação de corpo i

Os Suplementos Termogénicos Funcionam?

A obesidade encontra-se classificada como uma doença crónica cuja prevalência tem vindo a aumentar ao ponto de atualmente ser considerada uma pandemia. ¹ Atualmente, verifica-se que a maioria da população europeia (60%) encontra-se na categoria de pré-obesidade, ou obesidade. ¹ Em Portugal o cenário é relativamente similar, com 57,1% dos indivíduos a apresentar um índice de massa corporal ≥25 kg/m². ²   Logicamente, esta população numerosa representa um mercado apetecível para as empresas envolvidas na produção e/ou comercialização de suplementos alimentares, que ambicionem aumentar as suas vendas.  Do conjunto de suplementos direcionados para a perda de peso/gordura, destacam-se os termogénicos, os quais, supostamente, promovem um aumento da lipólise através de um aumento do metabolismo, induzido por determinados compostos presentes nesses suplementos.  Mas será que os suplementos termogénicos efetivamente facilitam a perda de peso ou de gordura em indivíduos pré-obesos ou obesos?  Cl

É Melhor Perder Peso de Forma Rápida ou Lenta?

A perda de gordura pode proporcionar vários benefícios para a saúde daqueles que têm excesso de peso. ¹⁻² e é uma necessidade imperativa para atletas de determinados desportos e para aqueles que participam em competições de culturismo e similares.³ No entanto, independentemente do ritmo a que se perde peso, há uma série de consequências negativas que são praticamente impossíveis de evitar. Esses efeitos indesejáveis incluem a diminuição da taxa metabólica basal em repouso,⁴ dos níveis de testosterona,⁵ perda de massa magra,⁶ e diminuição da força muscular.⁷⁻⁸ De forma a minimizar esses efeitos negativos, são muitos aqueles que evitam as dietas mais drásticas, do tipo yo-yo e que, em vez disso, aconselham uma perda de peso lenta, por exemplo, de 0,5 kg de peso corporal, por semana.³ O que diz a ciência? Já foram conduzidos variados estudos que procuraram determinar qual a velocidade de perda de peso que melhor preserva a taxa metabólica, a massa magra, bem como os níveis de testosterona