A cafeína é um composto que dispensa apresentações pois está bem presente no dia-a-dia de grande parte da população que a consome a partir de bebidas como o café, chá-verde, refrigerantes tipo cola, bebidas energéticas, alimentos como o chocolate e vários outros produtos alimentares.1
Grande parte dos praticantes de musculação também são ávidos consumidores de cafeína. Aliás, existe duas categorias de suplementos em que a cafeína representa o principal composto ativo: os suplementos pré-treino2 e os termogénicos.3
Eventualmente, e dada a popularização do seu consumo, foram surgindo preocupações relacionadas com a saúde4 e, no caso dos praticantes e musculação, e outros desportistas, surgiram também dúvidas relacionadas com as suas potenciais propriedades catabólicas.5
Dito isto, será que o consumo de cafeína promove o catabolismo? Poderá limitar os ganhos de massa muscular obtidos no contexto de um programa de treino resistido para hipertrofia?
A Cafeína é um Composto Catabólico (in Vitro)
Já foram conduzidos vários estudos in vitro, nos quais se verificou que a presença de concentrações elevadas de cafeína (1–10 mM) pode diminuir de forma significativa ou até mesmo inibir a síntese de proteína em células do músculo esquelético de mamíferos.6 7
De facto, a cafeína já demonstrou a sua capacidade de inibir, de forma significativa, a ativação do mTORC1, através de uma maior ativação da AMPK.8 9
Mais recentemente, foi conduzido um estudo no qual investigadores expuseram, durante 6 horas, miotubos do músculo esquelético de mamíferos a doses altas de cafeína (5 mM).10
Neste trabalho, verificou-se que a exposição à cafeína diminui a síntese de proteína e o diâmetro dos miotubos do músculo esquelético.
Isto poderá ter ocorrido devido à diminuição significativa da sinalização mTORC1, também pela ativação da via CaMKKβ/AMPK, e via aumento da expressão de genes da miostatina por ativação da CaMKII pela cafeína.
A Cafeína e o Sistema Hormonal
Atualmente sabemos que a cafeína exerce parte dos seus efeitos através da ativação do sistema nervoso simpático, o que inclui a libertação de catecolaminas e corticosteróides pelas glândulas suprarrenais. Na prática, isto traduz-se num aumento dos níveis de adrenalina, noradrenalina e de cortisol.4
Também se sabe que o cortisol é uma hormona predominantemente catabólica, e que limita os ganhos de massa muscular obtidos após várias semanas de treino resistido.11
Curiosamente, a cafeína também promove o aumento dos níveis de testosterona, que é uma hormona eminentemente anabólica.5
Num estudo publicado em 2008, um grupo de investigadores pretendeu avaliar os efeitos da suplementação com cafeína nos níveis de testosterona e cortisol presentes na saliva antes, durante e após o exercício resistido.5
Para o efeito recrutaram 24 jogadores profissionais de rugby e, 1 hora antes de uma sessão de treino resistido administraram-lhes 0, 200, 400 ou 800 mg de cafeína.
As amostras de saliva foram recolhidas 1 hora antes do início do treino, 15 minutos durante, e 15 e 30 minutos após.
Embora a suplementação com cafeína tenha aumentado a concentração de testosterona, causou uma subida ainda mais acentuada dos níveis de cortisol, de forma dependente da dose, resultando numa diminuição do rácio de testosterona/cortisol.
Logicamente, um rácio de testosterona/cortisol diminuído representa um estado que favorece o catabolismo muscular que, neste estudo, terá sido mais acentuado quando os voluntários ingeriram as doses mais elevadas de cafeína.
Estes investigadores afirmaram:
Esses dados sugerem que os processos catabólicos foram predominantes na fase de recuperação após o exercício resistido, quando as doses mais elevadas de cafeína foram ingeridas.
A cafeína tem algum potencial para potenciar os resultados do treino através dos efeitos anabólicos do aumento da concentração de testosterona, mas este benefício poderá ser contrariado pelo efeito catabólico oposto derivado do aumento do cortisol e resultante declínio do rácio testosterona:cortisol.
A Cafeína e o Sono
A ingestão de cafeína não é livre de consequências negativas e um dos efeitos secundários mais comuns é a diminuição da qualidade e da duração do sono.4
Possivelmente, uma noite mal dormida poderá levar ao consumo de cafeína durante o dia, para compensar a consequente diminuição da performance física e cognitiva. Por sua vez, esse consumo de cafeína pode causar novamente insónias ou diminuir a qualidade do sono na noite seguinte. Este é o chamado ciclo vicioso da cafeína, referido na literatura científica por vários investigadores.12
De facto, dormir pouco ou mal diminui a síntese de proteína muscular,13 diminui a concentração de testosterona,14 de IGF-1,13 aumenta os níveis de cortisol15 e aumenta a resistência das células musculares à insulina.16 Em suma, tem um efeito marcadamente catabólico,13 totalmente indesejado por aqueles ávidos de alcançar a tão pretendida hipertrofia muscular.
Conclusão
Embora a ingestão de cafeína possa proporcionar benefícios ao nível da performance física e cognitiva, também pode ter uma série de consequências negativas, inclusive uma diminuição do rácio de testosterona:cortisol, o que na prática pressupõe um ambiente hormonal mais catabólico, contrário ao que os praticantes de musculação pretendem.
A diminuição da qualidade e/ou duração do sono é outra possível consequência do consumo de cafeína que, por sua vez, afeta de forma negativa o sistema hormonal e promove o catabolismo.
Embora seja notória a necessidade de mais estudos, sobretudo de mais longa duração, a possibilidade de a suplementação com cafeína promover o catabolismo é real.
Por esse motivo, tal como acontece com o consumo de outras substâncias, provavelmente o melhor será moderar o consumo deste composto, ou usá-lo apenas de forma ocasional.
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